O Estado de S. Paulo: Volta de Educação Moral e Cívica é ‘doutrinação’, dizem especialistas
Volta de Educação Moral e Cívica é ‘doutrinação’ e escolas federais são ‘caras e elitistas’, dizem especialistas
Por Renata Cafardo, para o Estado de S.Paulo
Especialistas em educação que analisaram propostas para a área dos candidatos à Presidência criticaram tanto a volta da disciplina de Educação Moral e Cívica, defendida por Jair Bolsonaro (PSL), quanto a ideia de Fernando Haddad (PT) de o governo federal assumir escolas de ensino médio.
Os textos foram organizados em um documento pelo Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), uma entidade que pesquisa e divulga dados de educação. Especialistas do Iede e convidados escreveram sobre diversos temas abordados pelos presidenciáveis, como currículo, ensino superior e ações afirmativas.
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Para os pesquisadores, a volta da disciplina de Educação Moral e Cívica tem caráter de “doutrinação” e visa “o controle dos comportamentos e a obediência”. “Formar sujeitos éticos não significa apenas transmitir esse ou aquele valor e exigir esse ou aquele comportamento, mas contribuir para tornar o indivíduo um sujeito crítico, político, reflexivo”, diz o texto assinado por Telma Vinha, que é doutora em Psicologia, Desenvolvimento Humano e e professora da Faculdade de Educação da Unicamp e Cesar Nunes, gerente de desenvolvimento de soluções no Instituto Unibanco. Ambos fazem parte do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Moral, da Unesp/Unicamp.
Apesar de não fazer parte do programa oficial do candidato, Bolsonaro e seus colaboradores na área manifestaram várias vezes a intenção de retornar com a disciplina, que foi extinta em 1993 no País. As aulas de Educação Moral e Cívica se tornaram obrigatórias nas escolas durante a Ditadura Militar, pouco tempo depois de ser editado o Ato Institucional número 5 (AI-5), que restringiu liberdades individuais e direitos políticos. A disciplina, segundo os pesquisadores, “refletia a concepção de doutrinação, de valores absolutos, pretendendo, além de manter o modelo social vigente, inculcar o patriotismo exacerbado e a obediência às leis e aos governantes.
Outro texto vê de forma crítica a ideia de Haddad de dar bolsas para que estudantes de ensino médio não deixem a escola. Os pesquisadores dizem que antes de dar dinheiro para o aluno é preciso “aprofundar o diagnóstico sobre as causas correntes do abandono no ensino médio”. Para eles, se a razão “for o fato de que os jovens conscientemente percebem que os ganhos da permanência são pequenos devido à baixa qualidade da educação disponível, criar um artefato que os faça permanecer por mais tempo será desperdício de recursos”.
O ensino médio é considerado atualmente como um dos grandes problemas da educação brasileira. Além do desempenho dos alunos ser insuficiente, há altos índices de evasão. O texto foi escrito por Fernando de Lollo e Daniel dos Santos, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP de Ribeirão Preto.
A proposta de Haddad de revogar a reforma do ensino médio também é criticada em texto de Simon Schwartzman, sociólogo e membro da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior. “O que precisa ser feito é avançar no que a proposta tem de bom e corrigir suas imperfeições, e não voltar atrás”, diz. Ele ainda afirma que o projeto do candidato do PT de criar um sistema federal de ensino médio é inviável porque é mais caro que o tradicional e elitista porque seleciona alunos por vestibulinho. “São os Estados que devem continuar responsáveis pelo ensino médio, os recursos não cairão do céu, e o papel do governo federal deve ser apoiar e facilitar o trabalho dos estados, e não tomar o seu lugar.”
Com relação ao projeto Escola sem Partido, também defendido pelo candidato Bolsonaro, pesquisadores disseram que ter discussões e trabalhar temas da atualidade permitem “aos estudantes o exercício da capacidade crítica, da avaliação de alternativas contraditórias e da sua própria construção
do saber”.
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Eles analisaram evidências em pesquisas internacionais sobre a ideia do projeto, que pretende coibir discussões ideológicas, de gênero e sexualidade nas escolas. Um estudo conduzido nos Estados Unidos mostrou que exigir a neutralidade de professores causou um vácuo na sala de aula e os estudantes com opiniões mais fortes prevaleceram com relação à opinião dos mais fracos. “Nesses contextos, os professores temiam proteger os alunos que defendiam opiniões minoritárias, para evitar serem acusados de parcialidade, mas o resultado era uma permissividade com relação à opinião do grupo majoritário.” Em algumas escolas, segundo o estudo, “foi reportado o aumento no número de suicídios de estudantes identificados com grupos minoritários”.
Por outro lado, dizem, uma outra pesquisa feita em Hong Kong mostrou que os “alunos frequentemente temem expressar opiniões contrárias às do professor e sentem que dificilmente poderão alcançar boas notas se defenderem uma posição contrária a eles.”
O texto, assinado pelos professores do Insper Charles Kirchbaum e Regina Madalozzo, conclui que outros países escolheram “fomentar ao invés de erodir as relações de confiança entre professores, famílias e alunos”. Ou seja, “eles aprenderam a alinhar o pluralismo ao desempenho acadêmico elevado e equânime”.
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