Jornal O Tempo: Desigualdade começa na escola
Alunos carentes estão em colégios com professores menos preparados, reforçando a diferença social
Por Rafaela Mansur, do jornal O Tempo
Crianças de famílias ricas têm mais chances de encontrar portas abertas para crescer. Já as de famílias pobres, quase sempre, têm apenas uma oportunidade para desenvolver seu potencial e romper o ciclo de pobreza: a de estudar em uma boa escola. No entanto, no Brasil, alunos carentes, que estão em instituições com piores condições, são ensinados por professores menos qualificados e de pouca experiência, o que acaba perpetuando as desigualdades.
As conclusões são do estudo Políticas Eficazes para Professores, divulgado no último mês pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Outro levantamento, o Professores em Ibero-América, também lançado em junho pela OCDE, mostra que, no país, educadores com pouca qualificação são cerca de 60% menos propensos a trabalhar em grandes cidades do que em pequenas.
Segundo o professor e ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) José Francisco Soares, a distribuição de docentes no país não leva em consideração as necessidades dos alunos. “A nossa Constituição diz que a educação é um direito, e, para atendê-lo, a gente deveria considerar as diferenças. Quem vem de uma família com menos capital precisa de uma boa escola, mas isso não é considerado, e a criança acaba sofrendo uma dupla exclusão: ela tem pouco e recebe pouco”, afirma.
De acordo com Soares, essa situação precisa ser debatida. “O professor, como qualquer outro profissional, quer trabalhar perto de casa, em escolas com menos dificuldades. Nós precisamos atender dois direitos, o de aprender e o de ter condições de trabalho adequadas, e quem deve mediar isso é a política pública do Estado, que nós não temos”.
O Relatório do 2º Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano Nacional de Educação, do Inep, mostra a desigualdade do nível de escolaridade do país. Em Minas Gerais, a escolaridade média da população de 18 a 29 anos era de 10,4 anos em 2016, enquanto entre os moradores da área rural era de 8,7 anos, mesmo índice dos 25% mais pobres da população. Os negros estudam 88,6% do tempo que os não negros.
“Crianças ricas e pobres têm a mesma capacidade, mas as pobres têm mais dificuldade, seja pela questão educacional dos pais, que têm menos repertório para estimular os filhos em casa, seja porque elas não frequentaram a creche ou até mesmo por carência de alimentação. Elas precisam que o governo compense essa situação desigual e que a escola dela receba mais investimentos e tenha os melhores professores, mas a gente está fazendo o contrário”, explica a diretora de políticas educacionais da Fundação Lemann, Camila Cardoso Pereira, ressaltando que é preciso oferecer incentivos, como salários maiores e mais suporte, aos professores que atuam nas escolas mais difíceis.
A professora do Estado Fernanda Colcerniani, 34, sente que a profissão é desvalorizada. Em 2012, ela chegou a ter um início de síndrome do pânico porque atuava em turmas cheias e não conseguia desenvolver o trabalho. Ela diz querer deixar as escolas públicas e lecionar em universidades. “Tem que amar a profissão, mas a gente também paga conta e depende do trabalho para crescer”, afirma.
Resposta
Critério. A Secretaria de Estado de Educação (SEE) informa não ser possível direcionar o servidor para determinada escola, pois ele tem autonomia para escolher a que mais o atende.
Especialização é para poucos no Brasil
Só 29% dos professores de ciências nas escolas públicas do Brasil têm especialização na área, segundo o estudo da OCDE. No Reino Unido, o índice chega a 98%. Em Minas, segundo o Inep, 67% dos professores do ensino médio tinham formação superior adequada à área em que lecionam, em 2016. Além disso, só 29,8% haviam feito curso de formação continuada.
“Se a formação inicial não é tão boa, a formação continuada tem que ser mais assertiva, para trabalhar o débito dos professores”, diz o diretor e fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), Ernesto Faria.
Mais. Entre os professores efetivos do Estado, 22.464 possuem pós-graduação, 1.006, mestrado, e 56, doutorado, segundo a SEE. Todos os servidores passam por estágio probatório, e a “formação do corpo docente é garantida e incentivada” por meio de capacitações a distância e presenciais entre professores e especialistas da educação básica.
Incentivo. A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), do Ministério da Educação informou que atua no fomento da formação de profissionais da educação, por meio de programas.
Base. No dia 2 de agosto, professores de mais de 28 mil escolas públicas no país devem discutir a Base Nacional Comum Curricular para o ensino médio.