Jornal O Tempo: Desgaste e desvalorização em sala afastam novos professores
Percentual de alunos que esperam seguir a profissão no Brasil é de apenas 2,4% aponta estudo
Por Rafaela Mansur, do Jornal O Tempo
Salas de aulas lotadas e professores desvalorizados: o Brasil tem um dos maiores números de estudantes por docente no ensino médio entre quase 70 países avaliados no estudo Políticas Eficazes para Professores, divulgado no último mês pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Turmas com muitos estudantes significam estresse para os educadores e menos qualidade de ensino. Uma das soluções é contratar mais professores, o que tem relação com outro problema apontado pelo estudo: o número de alunos interessados em seguir a carreira tem diminuído.
Segundo o documento, baseado nas respostas de estudantes de 15 anos no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), as escolas públicas do Brasil têm 37 alunos por sala no primeiro ano do ensino médio. O país tem 22 alunos por professor, número que só é maior na Colômbia, que tem 27. Na China, nação mais populosa do mundo, são 12.
De acordo com a OCDE, turmas menores permitem que professores se concentrem mais nas necessidades individuais dos alunos e reduzam o tempo gasto com interrupções. “No processo de ensino-aprendizagem, os debates precisam se adaptar à realidade de cada aluno, e, à medida que cresce o número de estudantes, a gente vê uma educação por padronização, que tira a vontade de estudar e aprender”, afirma a coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda.
Professora de filosofia na rede estadual de Minas, Marinês Dias, 44, conta que as condições de trabalho, a baixa remuneração e a infraestrutura das escolas a desanimam. “Tenho mais de 20 anos de docência e nunca havia pensado em mudar de carreira, mas acabei buscando outra graduação, mesmo com mestrado. Vou me formar no final do ano em direito e percebo que as oportunidades e a valorização da carreira jurídica são muito superiores”, diz.
As circunstâncias também afastam os estudantes da docência: entre 2006 e 2015, o índice de alunos que esperavam seguir a profissão caiu de 5,5% para 4,2%, conforme a OCDE. No Brasil, apenas 2,4% deles esperam ser professores em escolas de ensinos básico e médio. “A juventude, que vê salas de aula lotadas e um profissional que não é valorizado e adoece, não quer entrar na profissão. É preciso melhorar as condições de trabalho e oferecer planos de cargo e carreira atraentes”, pontua o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, Heleno Araújo.
Minas Gerais. No Estado, há 40 alunos por turma no ensino médio e, segundo a Secretaria de Estado de Educação (SEE), a distribuição atende as necessidades dos alunos. A remuneração inicial do professor de educação básica na rede estadual, para uma jornada de 24 horas semanais, é de R$ 2.135,64.
Apesar das dificuldades, a estudante Polyanna Neiva, 21, quer ser professora de português no ensino básico e já está no sexto período de letras. “Meus pais não queriam que eu fosse professora, por causa da desvalorização, mas eu gosto de ensinar. Acho que é preciso aumentar os investimentos na educação e recuperar o respeito e a autoridade que o professor perdeu”, conclui.
Saiba mais
Números. A rede estadual de ensino de Minas tem 153.174 professores e 2.107.401 estudantes matriculados – a média é de 13 alunos por docente. Segundo a SEE, o governo promoveu diversas ações para valorizar as carreiras da educação.
Nota de interessados é menor
Estudantes interessados em ser professores têm, em geral, médias menores no Pisa do que os que escolhem outras carreiras. No Brasil, os alunos que querem seguir a carreira docente tiraram, em média, 354 pontos em matemática e 382 em leitura, já os demais ficaram com 390 e 427, respectivamente.
“Os bons alunos da educação básica não olham para a carreira de professor como uma profissão de prestígio, como as de médico, engenheiro ou advogado. Em geral, alunos de baixo e médio desempenho estão virando professores, e o desafio da formação inicial e continuada é enorme”, afirma o diretor e fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), Ernesto Martins Faria.
Ele afirma ser preciso tornar a carreira mais atrativa, o que só vai ser possível se as condições de trabalho melhorarem. “Além disso, a gente precisa cada vez mais enaltecer o trabalho dos professores no dia a dia”, completa.
Para a diretora de políticas educacionais da Fundação Lemann, Camila Pereira, em países como Japão, Finlândia e Singapura, os professores são recrutados entre os melhores alunos. “É uma carreira disputada, e isso acontece porque eles são reconhecidos e têm suporte na carreira”, diz.