Políticas de educação integral precisam considerar resultados de avaliação
Programa atual de educação integral foi desenhado com diretrizes, parâmetros e critérios para a realização de avaliação de impacto e não deveria ser descontinuado
Por Tadeu da Ponte
Quanto custa implementar um modelo de educação integral em uma escola de educação básica? Será que mais tempo na escola garante que os alunos aprendam mais? Mesmo que ganhos de aprendizado sejam detectados nos exames oficiais, será que a relação entre o investimento necessário para uma escola promover educação integral se traduz em mais ganhos de aprendizado do que outras medidas, tais como formar e melhorar as condições de trabalho dos professores?
Evidentemente, o texto que aqui se apresenta não trará todas as respostas às questões do parágrafo anterior, mas certamente elas precisam ser consideradas para a formulação de uma política para gestão, apoio e ampliação da educação integral no Brasil. Mas do que estamos tratando aqui especificamente?
Acesse aqui um pdf com as análises das propostas de educação dos candidatos
O termo educação integral, como muitos outros nas ciências humanas e sociais, relaciona-se com diversos significados e conceitos. Do ponto de vista mais pragmático, em termos de políticas públicas, daquilo que pode ser estabelecido em leis e portarias e objetivamente monitorado, é natural defini-lo a partir da carga horária escolar, em tempo integral. Passando às concepções mais acadêmicas, reflete o reconhecimento de que os sujeitos se desenvolvem nos domínios cognitivo, social, afetivo e psicomotor de maneira conjunta, sem separação entre corpo, alma e intelecto.
“Independentemente das posições políticopartidárias, é imprescindível que os programas de educação no Brasil possam ser tratados como políticas de Estado e não de Governo. O próprio candidato Fernando Haddad, enquanto ministro da Educação, defendia esta bandeira”
Além do problema de definir educação integral, para além do estabelecimento das 7 horas diárias do aluno na escola, temos também o problema de como medir os resultados de um programa que a promova, de maneira mais completa do que observar os avanços em testes padronizados. Estes dois problemas levam a um terceiro: como avaliar se um programa de educação integral teve impacto naquilo que pretendia ou deveria mobilizar?
Isso posto, é possível tecer alguns comentários sobre o plano de governo do candidato à presidência Fernando Haddad, que aborda a educação integral, no âmbito da educação básica no Brasil, sob dois títulos: primeiro, em “Promover os direitos das Juventudes”, e depois em “Educação para o desenvolvimento das pessoas e do país”.
Sob a perspectiva dos direitos das juventudes, o plano propõe ampliar a “participação da União no ensino médio, de modo a transformar essas escolas em espaços de investigação e criação cultural e em polos de conhecimento, esporte e lazer, garantindo educação integral.” Além dos itens sublinhados não serem específicos, não há evidência na literatura disponível de que a mera exposição de jovens de ensino médio a esses espaços garanta a eles uma educação integral efetiva, como afirmado no texto. Há uma possível causalidade inversa neste caso: a promoção de educação integral no sentido de tempo integral possibilita a execução de atividades relacionadas a esses fatores na escola. Currículo adequado, preparo dos professores, metas claras e monitoramento das aprendizagens dos jovens são condições necessárias para garantir educação integral em termos mais amplos, no sentido que se oriente pela “busca permanente da autonomia e emancipação dos jovens”, conforme cita o próprio plano.
Ressalta-se aqui também o risco de alocar recursos de maneira massiva em atividades que formalmente serão enquadradas como extracurriculares. Isso porque, em momentos de apertos fiscais, o extracurricular será sempre cortado antes do curricular, como aconteceu no próprio “Mais Educação”.
No capítulo referente ao desenvolvimento das pessoas e do país, propõe-se como uma das diretrizes a expansão da educação integral. Propõe-se também uma reformulação curricular, por meio de uma Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio, revogando a reforma em vigor, de modo que a nova base garanta a estudantes “educação integral, por meio de projetos pedagógicos que, a exemplo dos institutos federais, permitam o acesso ao estudo do português e da matemática, aos fundamentos das ciências, da filosofia, da sociologia e das artes, à educação física, à tecnologia, à pesquisa, em integração e articulação com a formação técnica e profissional.”
Apesar de se evidenciar no quesito curricular um dos mecanismos que pode compor uma efetiva execução de um programa de educação integral, o plano não estabelece os meios para assegurar a disponibilidade e o preparo de professores, tampouco propõe o monitoramento e a avaliação da implementação. Tudo isso custa e pode fazer o investimento na educação não ser exatamente proporcional às horas de ampliação de carga horária.
Independentemente das posições político-partidárias, é imprescindível que os programas de educação no Brasil possam ser tratados como políticas de Estado e não de Governo. O próprio candidato Fernando Haddad, enquanto ministro da Educação, defendia esta bandeira. Recomenda-se aqui que uma recente iniciativa do MEC seja valorizada e mantida numa eventual próxima gestão, o que pode ser complementar ao que propõe o plano do candidato. Trata-se da Portaria nº1.023, de 4 de outubro de 2018, que “Estabelece diretrizes, parâmetros e critérios para a realização de avaliação de impacto do Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral – EMTI e seleção de novas unidades escolares para o Programa.”
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É inédito na educação brasileira que um programa federal seja desenhado contemplando uma avaliação de impacto desde sua concepção. Trata-se de incluir um verdadeiro experimento científico, com pares de escolas tratamento-controle sendo monitoradas em termos de execução do programa e resultados obtidos, gerando evidências legítimas do que funciona ou não. Permite-se enfrentar as questões elencadas no primeiro parágrafo e descobrir os usos mais eficientes dos recursos públicos, direcionando-se num passo seguinte sobre onde e como investir para que os objetivos educacionais sejam atingidos.
Afinal, como o próprio plano de Fernando Haddad destaca, “a meta é garantir que todas as crianças, adolescentes e jovens de 4 a 17 anos estejam na escola e que aprendam”. Mas, para isso, pode ser importante conhecer melhor e adotar uma postura de continuidade para alguns passos importantes que tem sido dados pela recém criada Assessoria Estratégica de Evidências do MEC, sem desqualificar tudo e todos como “governo golpista”, termo utilizado pelo menos 20 vezes no plano aqui analisado.
Tadeu da Ponte é professor do Insper e consultor de organizações não governamentais voltadas à melhoria da educação pública no Brasil.
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