Meninas vão pior do que os meninos em matemática, mas melhor em competência financeira
Estudo inédito do Iede foi feito com base nos microdados do Pisa 2015
Enquanto os meninos têm um desempenho melhor em matemática, as meninas se saem melhor em competência financeira. Em matemática, os meninos tiveram uma média de 385 pontos na prova do último Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), de 2015, enquanto as meninas tiveram uma média de 369,5 pontos. Quando se trata, no entanto, de competência financeira, elas tiveram uma média de 397,5 pontos, enquanto eles, de 389,2 pontos.
As informações foram obtidas pelo Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede) a partir da tabulação e análise dos microdados do Pisa 2015. Ao todo, 23.141 estudantes de 841 escolas, espalhadas por todos os estados brasileiros, fizeram o exame. Desses, 12.073 são meninas e 11.068, meninos. A diferença entre meninos e meninas é puxada principalmente pelas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste. No Norte e Nordeste, não há, estatisticamente, diferença entre os gêneros.
Para especialistas, a diferença de desempenho tem mais relação com questões culturais e de criação: “O Brasil ainda tem uma cultura familiar machista em que as meninas participam mais do dia a dia das casas. Os meninos não são tão convidados a repartir as tarefas”, considera Elvira Cruvinel, Chefe do Departamento de Promoção da Cidadania Financeira do Banco Central. “Muitos dos programas de governos, seja de crédito ou de transferência de renda focam nas mulheres”.
Acesse aqui o estudo “O que os dados mostram sobre competência financeira no Brasil”
Claudia Forte, superintendente da Associação de Educação Financeira (AEF) do Brasil, compartilha de opinião semelhante: “As meninas estão mais próximas do núcleo familiar, estão próximas da mãe quando ela escolhe as contas que vai pagar no mês, acompanham no mercado e veem a mãe observando a diferença dos preços”, considera. Os dados mostram que de fato as meninas participam mais da vida financeira em casa. Enquanto 33,4% delas discutem questões financeiras com os pais ou responsáveis quase todos os dias, entre os meninos, o percentual é de 23,6%.
As meninas também se mostraram mais controladas nos gastos: quando não têm dinheiro para comprar algo que querem, 16,8% não compram. Já entre os meninos, o percentual é de 12,9%.
Maioria dos alunos com baixo desempenho em competência financeira já estudou o assunto na escola
No Brasil, 36,4% dos estudantes avaliados tiveram curso ou matéria específica na escola para apender a lidar com o dinheiro e 32,3% tiveram educação financeira de forma interdisciplinar, junto a outras matérias. Os dados mostram ainda que pouco mais da metade, 52,3%, fez algum curso ou atividade para aprender a lidar com o dinheiro fora da escola.
Surpreendentemente, entre aqueles que ficaram no pior nível, abaixo de 1, o número foi ainda mais alto: 50,7% tiveram aulas específicas na escola; 41,7% trabalharam a competência de forma interdisciplinar; e 60,9% buscaram cursos fora da escola.
Nos níveis de desempenho mais altos (3, 4 e 5), 19,8% tiveram aulas específicas na escola; 24,3% tiveram aulas interdisciplinares; e 38,6% estudaram competência financeira fora da escola.
Algo que pode explicar esse resultado é uma relação endógena, explica Ernesto Martins Faria, diretor e fundador do Iede: “É possível que os cursos aconteçam em maior proporção para os alunos que mais precisam”.
Ele dá um exemplo da relação que pode existir: “Alunos com nível mais baixo de proficiência, por exemplo, fazem mais aulas de reforço, mas esse não é indicativo de que reforço escolar não ajuda, mas sim de que o nível de conhecimento que os alunos têm sem o reforço é diferente. Nesse caso, é possível que muitos alunos que não tenham feito cursos de competência financeira tenham vivido mais oportunidades onde desenvolveram essas habilidades, devido às pessoas com quem interagem cotidianamente. Alunos da rede privada podem viver mais situações fora da escola que favoreçam esse desenvolvimento”.
Diferença de perfil: só 29% dos alunos de baixo desempenho esperam concluir o ensino superior contra 82% dos alunos de alto desempenho
O perfil dos estudantes difere bastante entre os níveis de desempenho: no nível abaixo de 1, em que estão 5.949 dos 23.141 estudantes avaliados, estão alunos com menor nível socioeconômico e com as maiores taxas de repetência em todas as etapas de ensino.
Entre os estudantes no nível abaixo de 1, apenas 29,2% têm expectativa de concluir o ensino superior. Já entre aqueles com nível 3, 4 ou 5, essa porcentagem sobe para 81,6%.
“A gente vê que muito da atitude dos estudantes vem do exemplo de casa, da história familiar, se a família tem ou não noção de dinheiro, o que o pai e a mãe fazem. Tudo isso é importante. Obviamente que a escola vai ajudar para que a educação seja boa nesse quesito também, mas a história familiar na vida financeira é fundamental”, afirma Elvira, ressaltando que, com a homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em dezembro de 2017, a educação financeira passou a ser disciplina transversal e os professores terão que ministrá-la. A competência deverá ser abordada principalmente em matemática e ciências da natureza no ensino fundamental.
Acesse aqui o estudo “O que os dados mostram sobre competência financeira no Brasil”
Antes mesmo da homologação da BNCC, a professora Mariá de Nazaré Conceição Sena, da Escola Estadual Profª Adelaide Tavares de Macedo, em Manaus, já estava ensinando educação financeira para os alunos por meio do projeto “Educação Financeira na Escola: Planejando a Vida”, realizado com estudantes do 1º ano do ensino médio, no âmbito do Programa Ciência na Escola (PCE) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam). Ela explica um pouco de como funciona o projeto na prática: “O objetivo é que os estudantes aprendam a se planejar, controlar as contas, diminuir gastos, e como guardar para investir em uma formação futura. E também levem esse aprendizado para as famílias”, conta. “Eu começo perguntando o que entendem por educação financeira. ‘Envolve dinheiro?’ Envolve sim, mas tem coisas que precisam ser feitas que não envolvem muito dinheiro. Com o projeto, os alunos começaram a guardar o dinheiro do lanche, que era servido gratuitamente na escola, e discutimos o que fazer no final do período com o que conseguiram juntar”, exemplifica.
Amazonas e Ceará destacam-se nas regiões com pior desempenho
O Sul foi a região mais bem avaliada, com uma média de 412,2 pontos, seguida pela região Centro-Oeste, com 406 pontos. Ambas as regiões ficaram, em média, acima dos 400 pontos, nível considerado o mínimo adequado. A região Sudeste ficou com uma média de 394,3 pontos; Norte com 387,3 ponto; e Nordeste, 380,8 pontos.
Mesmo estando localizados nas regiões com os piores desempenhos, Amazonas e Ceará se destacaram, obtendo, respectivamente, 405,5 e 402,5 pontos. Ficaram acima da média do Brasil, que foi de 393,5 pontos.
Acesse aqui o estudo “O que os dados mostram sobre competência financeira no Brasil”
O Brasil ocupou o último lugar de desempenho em competência financeira. A nota geral do país foi 393,5, ou seja, abaixo dos 400 considerados o mínimo suficiente para que o estudante consiga se integrar na sociedade e tomar decisões que o beneficiem financeiramente. Dos 23.141 estudantes brasileiros avaliados, 12.691 ficaram abaixo desse nível.
Sobre a avaliação de competência financeira no Pisa
O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) avalia estudantes em relação a conteúdos de matemática, português e ciências. É aplicado a estudantes de 15 anos de idade dos 35 países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e 35 economias parcerias da organização, como o Brasil. Em 2015 foi aplicado a 540 mil estudantes que, por amostragem, representam os 29 milhões de estudantes desses locais.
A avaliação da competência financeira foi aplicada pela segunda vez em 2015. A primeira vez foi em 2012. A prova é opcional e tem a duração de uma hora.
No Brasil, de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), dentre os 23.141 estudantes que participaram da avaliação, 77% estavam matriculados no ensino médio.
Acesse aqui o estudo “O que os dados mostram sobre competência financeira no Brasil”
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