Iede, Fundação Lemann e Centro Lemann lançam “Guia para realizar um bom diagnóstico de equidade racial”
Guia tem como objetivo apoiar secretarias de secretarias de educação e gestores escolares na identificação e dimensionamento das desigualdades raciais existentes em suas redes de ensino ou escolas
O Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), o Centro Lemann para Liderança e Equidade na Educação e a Fundação Lemann lançam, neste mês de novembro, um “Guia para realizar um bom diagnóstico de equidade racial”. O documento foi escrito por Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Iede, e Lecticia Maggi, gerente de Comunicação no instituto, e tem como objetivo apoiar secretarias de secretarias de educação e gestores escolares na identificação e dimensionamento das desigualdades raciais existentes em suas redes de ensino ou escolas. A intenção é que, a partir de um diagnóstico consistente, sejam elaboradas estratégias e ações adequadas a cada realidade — sempre com foco em promover a equidade racial. O guia é gratuito. Acesse aqui.
Para a escrita do Guia, foram entrevistados professores, diretores escolares, pesquisadores, técnicos e gestores de secretarias de educação e profissionais que estudam questões raciais. O material também foi traduzido e passou pela revisão de David Quinn, professor da Rossier School of Education, da Universidade do Sul da Califórnia, e de Sonya Douglass, professora do Teachers College, da Universidade Columbia, ambos nos Estados Unidos. Esses múltiplos olhares trouxeram uma valiosa contribuição ao texto, possibilitando que tratasse a temática com o cuidado e a seriedade necessários.
Em um dos trechos do documento, as organizações ressaltam a importância de uma educação baseada em dados e evidências:
“Acreditamos que, para solucionar um problema, é preciso antes entendê-lo. Por isso, a realização de bons diagnósticos é fundamental para a elaboração de políticas públicas efetivas, adequadas aos seus contextos e realistas quanto aos seus objetivos, capazes de garantir um ambiente escolar e um ensino racialmente equitativos.”
Ernesto Faria, um dos autores do guia, explica que a publicação tem tanto o papel de mobilizar para a urgência do tema como de instrumentalizar gestores para fazerem diagnósticos de equidade racial na educação. “Há muitos dados que apontam grandes desigualdades ligadas à cor/raça no Brasil, mas ainda não há ações intencionais de combate ao racismo em muitas redes de ensino”, considera.
O Guia está dividido em 10 capítulos, contando com a introdução (capítulo um):
2: as origens das desigualdades
Traz um breve panorama sobre a origem das desigualdades raciais no País, abordando desde o período imperial, com a escravatura e a proibição de pessoas negras de acessar a escola, até os dias atuais, com a implementação de importantes leis para a luta antirracista (exemplos: a Lei nº 10.639, de 2003, que tornou obrigatório o ensino de história e culturas africana e afro-brasileira nos ensinos Fundamental e Médio; e a Lei nº 11.645, de 2008, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura indígena).
3: os desafios para a realização dos diagnósticos
Entre os pontos abordados, destacam-se: o mito da democracia racial, que faz com que muitos educadores e gestores acreditem que as desigualdades são apenas em relação ao nível socioeconômico e não à cor/raça dos estudantes; alta rotatividade docente, que dificulta as ações de formação e o estabelecimento de vínculos com os estudantes; a falta de profissionais capacitados para a análise de dados; e as diferentes formas de declaração de cor/raça nas bases de dados.
4: os tipos de dados, contendo as especificações entre dados qualitativos e quantitativos
Ambos os diagnósticos são importantes e devem ser realizados. No caso do diagnóstico quantitativo, o olhar é para o coletivo; enquanto no diagnóstico qualitativo, é subjetivo e, em vez de dados contabilizáveis, tem como foco as experiências de vida, as impressões e as reflexões das pessoas pesquisadas. No qualitativo, os principais métodos de pesquisa são: roda de conversa ou grupo focal, tríade, entrevista, observação em sala de aula e aplicação de questionário.
5: os primeiros passos para a coleta de dados
Explica quatro passos importantes para a coleta dos dados: definir as questões para as quais a rede busca respostas; definir o que a rede pretende fazer com essas respostas; apresentar o projeto da pesquisa às(aos) gestoras(es) escolares; e criar um modelo de planilha on-line.
6: passo a passo de como aplicar questionários
Compila orientações para uma aplicação eficaz de questionários, desde o momento de elaboração das perguntas, passando pela aplicação, análise dos dados e, por fim, os cuidados necessários para a divulgação dos resultados.
7: como utilizar dados públicos
Apresenta as principais bases de dados existentes no País que podem ser utilizadas para a construção de diagnósticos, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e Pnad Contínua; Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb); e Censo Escolar.
8: divulgando os resultados
Esta é uma etapa crucial do processo e deve ser tratada com muita cautela, pois envolve o tratamento de informações sensíveis. Os dados sobre os indivíduos são confidenciais e servem apenas para fins estatísticos. Em linhas gerais, pode-se dizer que, no nível da escola, é imprópria a divulgação de dados, tanto quantitativos quanto qualitativos, já que as pessoas que participaram da pesquisa podem se reconhecer – ou ser reconhecidas – nos números apresentados. Já no nível do município ou do estado, resultados de diagnósticos quantitativos podem ser compartilhados.
9: transformando os resultados
Após a realização do diagnóstico, sugere-se a elaboração de indicadores para monitorar e enfrentar os desafios apresentados. Estes podem promover a equidade de forma implícita, como é o caso do Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp), ou de forma explícita, como o Indicador de Desigualdades e Aprendizagens (IdeA).
10: Boas práticas
Destaca boas práticas de redes de ensino de São Paulo, Bahia e Goiás, que usaram de diagnóstico de equidade racial para melhoria da gestão e redução de desigualdades. Do município de Mata de São João (BA), por exemplo, vem a inspiração de como fazer um bom diagnóstico sem tantos recursos: o professor Valter Pimentel, de Matemática, utiliza planilhas do Google Sheets para colher informações das 36 escolas do município e alimentar a base de dados da Secretaria de Educação quase diariamente e, assim, possibilitar à rede obter uma visão sistêmica das unidades de ensino. Já no Centro de Ensino em Período Integral Professor Pedro Gomes, em Goiânia (GO), o diretor Joaquim José Neto conta que, após a realização de um diagnóstico racial, que constatou que pouco mais de 60% das(os) estudantes eram negras(os), a unidade passou a fazer reflexões cotidianas sobre a negritude, além de trabalhar fortemente com as(os) estudantes sobre os seus sonhos e os meios para alcançá-los.
Junto ao Guia, a Fundação Lemann e o Centro Lemann lançam também o estudo “Políticas e programas internacionais que promovem a equidade na educação”, coordenado pelos pesquisadores Sonya Douglass e Brett Grant, da Universidade de Columbia. O documento aborda iniciativas bem-sucedidas dos Estados Unidos e faz uma análise do contexto de negras e negros na América Latina e no Brasil.
Acesse aqui o “Guia para realizar um bom diagnóstico de equidade racial”