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Estudos - 23/10/2018

Bolsa Permanência: faz sentido ajudar financeiramente alunos mais vulneráveis a se manterem no ensino médio?

Bolsa Permanência para o ensino superior existe desde 2013 e Haddad defende sua ampliação para o ensino médio. Antes, porém, seria melhor aprofundar as causas da evasão escolar

Por Fernando de Lollo e Daniel Santos

Nos últimos anos, o governo brasileiro vem elevando rapidamente os gastos com educação em todos os níveis, estipulando metas de desempenho para as redes e formulando cada vez mais políticas públicas que visem a melhora do desempenho dos alunos. Contudo, todo esse esforço nem sempre se reflete em uma melhora nos indicadores de notas e de fluxo escolar. O plano de governo do candidato à Presidência Fernando Haddad planeja ações que visam atacar vários dos problemas tidos como prioridade para a educação brasileira. Uma das ideias é expandir para alunos do ensino médio o Programa Bolsa Permanência, que hoje é restrito a estudantes de ensino superior.

Acesse aqui um pdf com as análises das propostas de educação dos candidatos

Além das políticas de expansão de gastos já praticadas nos governos Lula e Dilma, a plataforma de governo defendida pelo presidenciável Fernando Haddad tem como ponto específico uma maior participação da esfera federal também na provisão do ensino médio. Isso seria feito por meio de convênios com os Estados e o Distrito Federal nas zonas de maior vulnerabilidade socioeconômica. Desta forma, ficaria a cargo do governo federal a provisão dos serviços educacionais que atualmente são de responsabilidade dos Estados. As escolas de ensino médio federal seriam assistidas pelo Instituto Federal mais próximo e, a princípio, seriam aquelas que se situam nas áreas com os maiores índices de violência e de baixo rendimento escolar, refletidos principalmente pelo baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

“[Programa de Bolsa Permanência] também teria como principal objetivo a democratização do acesso ao ensino médio e a permanência destes alunos até o final do ciclo”

Uma consequência imediata desta transferência de responsabilidades é a possibilidade da replicação do Programa Bolsa Permanência, atualmente exclusivo para o Ensino Superior, para as escolas de ensino médio federal. Ele também teria como principal objetivo a democratização do acesso a esta etapa de ensino e a permanência destes alunos até o final do ciclo.

De cara, consideramos questionável a conveniência de se rever o pacto federativo educacional construído na legislação brasileira, e que explicitamente tenta descentralizar a administração das escolas, aproximando a gestão escolar da cultura e necessidades locais. Dito isso, o programa possui alguns pontos interessantes e outros controversos. Por um lado, é fato que no ensino médio muitos jovens que decidem abandonar a escola o fazem porque outras escolhas de uso do tempo são mais atrativas. Em termos relativos, receber para estudar pode elevar a recompensa associada a permanecer na escola. Por outro lado, é questionável se permanecer em um serviço de baixa qualidade é realmente o melhor uso do tempo dos indivíduos, e uma pergunta que não se cala é: por que os estudantes voluntariamente não permanecem na escola se essa escolha fosse assim tão obviamente boa?

Se o problema é que a escola é boa, os alunos percebem isso, mas a necessidade de curto prazo de obter dinheiro fala ainda mais alto, então, de fato, um programa como este pode ajudar e muito. Por outro lado, se o problema for o de que a escola é a melhor escolha, mas falta aos estudantes uma compreensão adequada de seus benefícios, o programa poderia forçar os alunos a permanecer, mas já não é claro o quanto aproveitariam, uma vez que estariam lá apenas por causa do dinheiro. Ainda assim, sob este diagnóstico é plausível que faça sentido.

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O problema é se a escola não for de fato a melhor escolha e o aluno, consciente disso, voluntariamente fizer sua melhor opção abandonando-a. Neste caso, o programa desperdiçará um recurso que poderia ser melhor empregado de outros modos, inclusive no aprimoramento do serviço. Adicionalmente, não é claro como o programa lidará com um eventual incentivo perverso para que o aluno estenda sua permanência na escola além do razoável, apenas para receber o benefício por mais tempo. Daquilo que se sabe, não há ainda avaliações rigorosas a respeito do êxito que o programa no nível universitário teve, nem tampouco um diagnóstico claro de qual a causa do abandono no ensino médio que se pretende combater.

Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua – referente ao terceiro trimestre de 2017, temos que aproximadamente 11% dos jovens entre 15 e 17 anos estão fora da escola. Destes, 24,8% já exercem algum tipo de atividade remunerada com uma média de rendimentos em torno de seiscentos e oitenta reais mensais. Os grandes números pioram quando levamos em consideração somente as áreas mais afastadas dos grandes centros do país, com evasão mais elevada e rendimentos menores para aqueles que tiveram que se inserir precocemente no mercado de trabalho. É razoável dizer que o percentual de jovens potencialmente impedidos de estudar por conta da necessidade de trabalhar para poder se sustentar não deve passar de 5% do total.

“O potencial de um programa deste tipo fazer a diferença em termos de bem-estar social depende de qual diagnóstico seria uma descrição razoável de nossa realidade”

No que diz respeito à factibilidade financeira do programa, não há dúvidas de que seriam necessárias algumas medidas por parte do governo no sentido de destinar uma fatia do orçamento planejado para a Educação para viabilizar o pagamento em dia das bolsas. No plano de governo divulgado oficialmente, ainda não há uma previsão da abrangência da federalização das escolas uma vez que o convênio com os Estados ainda não foi estabelecido. Contudo, é importante lembrar que grande parte das escolas de ensino médio já arcam com custos das cadeiras vazias em função da evasão e do abandono dos jovens. Assim, o custeio das bolsas pode otimizar esse gasto já executado em razão de evasão e abandono, e tido como perdido.

Em suma, o potencial de um programa deste tipo fazer a diferença em termos de bem-estar social depende de qual diagnóstico seria uma descrição razoável de nossa realidade. Se muita gente realmente abandonar por conta de restrições financeiras, o programa será bem-sucedido em elevar a permanência. E se realmente a escola for o melhor lugar onde um jovem deveria estar durante sua adolescência, então ao ficar por mais tempo exposto a este serviço terá maiores ganhos no presente e no futuro. Já se o abandono for predominantemente explicado por outras causas, e especialmente se uma delas for o fato de que os jovens conscientemente percebem que os ganhos da permanência são pequenos devido à baixa qualidade da educação disponível, criar um artefato que os faça permanecer por mais tempo será desperdício de recursos. Nesse caso, o melhor seria usar o dinheiro para melhorar o nível do serviço e deixar que os jovens voluntariamente escolhessem permanecer por ver maiores benefícios nessa decisão. Antes de implementar esta expansão, talvez fosse útil investigar mais a fundo que benefícios o programa tem tido no ensino superior, e aprofundar o diagnóstico sobre as causas correntes do abandono no ensino médio.

Fernando de Lollo e Daniel dos Santos atuam no Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social (LEPES), da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP de Ribeirão Preto. Daniel é professor da mesma instituição.

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