Se a Educação mobilizasse o Brasil como o futebol
Será que os brasileiros aceitariam um técnico para a seleção brasileira sem experiência no futebol?
Por Ernesto Faria, diretor do Iede, para a Nova Escola
Tivemos nos três primeiros meses do ano um ministro da Educação fraco, indicado por questões políticas e que não trouxe propostas para a área da Educação. A má gestão e as falhas de comunicação no Ministério da Educação (MEC) geravam discussão semana a semana, o que tornou insustentável a permanência de Ricardo Vélez Rodríguez no cargo e culminou em sua queda na segunda-feira (08/04). Como solução, o presidente da República indicou o economista Abraham Weintraub, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com trajetória de destaque no mercado financeiro, mas sem nenhuma experiência gerencial na área de Educação. A pergunta que fica é: esse cenário é aceitável?
Como exercício, farei um paralelo com o futebol, para ver se situação semelhante poderia acontecer em relação à seleção brasileira: profissionais sem experiência no futebol sendo nomeados mesmo após situações de grande crise.
Imaginem que, após nossa derrota na Copa do Mundo, Tite tenha sido demitido. Após a imprensa discutir os nomes dos treinadores mais bem conceituados do país (Cuca, Renato Gaúcho, Mano Menezes, Abel Braga, entre outros), o escolhido tenha sido o preparador físico da Matonense, da série B do Campeonato Paulista, ou do pequeno Maringá Futebol Clube, do Paraná. Coloco preparador físico, pois esse parece um bom paralelo com a situação do ex-ministro da Educação, que não só não trabalhava em uma universidade de elite do país antes de ser indicado (lecionava na faculdade Arthur Thomaz, em Londrina), mas também não trabalhava de fato com Educação nessa instituição.
Nesse cenário, os comentaristas certamente diriam que o novo técnico chegaria pressionado por não ter uma bagagem de conquistas: “Vai ter que trazer resultados logo para se manter no cargo!”
Aí vem a primeira convocação. O novo técnico da seleção veta Neymar, Coutinho, Firmino e todos os jogadores brasileiros que jogam no exterior ou que participaram da derrota na Copa de 2018. “O lema agora é Brasil acima de todos, e não queremos jogadores do time que fracassou”, diz o novo selecionador. Vélez Rodríguez não fez exatamente isso no MEC, mas exonerou pessoas importantes, de funções técnicas, com conhecimento de como os processos funcionam no ministério. Além disso, não trouxe nomes conceituados na área para as suas secretarias e autarquias.
Mas nosso treinador não só deixou de convocar os craques do exterior, como também convocou jogadores inexperientes de seu ex-time e outros amadores, sem experiência no futebol, mas que um guru de Educação Física lhe disse que jogam bem.
Logo nos treinamentos na Granja Comary, a imprensa percebe que os jogadores convocados têm dificuldade de acertar passes simples e até mesmo de dominar a bola. O treinador, então, diante da pressão por algum resultado, se vê obrigado a exonerá-los, ops, desconvocá-los. Os poucos jogadores com alguma capacidade técnica que jogam no futebol brasileiro e foram convocados começam a ficar desconfortáveis. Eles sabem que, com esse treinador e com esse time, vai ser difícil fazerem uma boa campanha. Pedem, então, dispensa da seleção.
Teríamos certamente, nesse cenário, uma mobilização pedindo grandes mudanças. Comentaristas e ex-jogadores de futebol tornariam inviável a continuidade de algo assim e, independentemente de qual fosse o presidente da CBF, um novo técnico para a seleção brasileira com experiência e conceituado, com resultados concretos no futebol, seria nomeado. Provavelmente, o técnico com o perfil ilustrado nesse texto não teria sequer durado três meses no cargo. Ou alguém acha que teria?
No entanto, voltando à Educação, embora os problemas do MEC tenham incomodado um pouco nesse início do ano, a Educação ainda está longe de mobilizar como o futebol. O “presidente da CBF da Educação”, Bolsonaro, traz alguém sem experiência com Educação e gestão pública. É como se um nutricionista fosse nomeado como técnico da seleção brasileira. Nada nos indica que ele tenha uma base de conhecimento sobre formação de professores, Fundeb, Alfabetização, avaliações externas, Base Nacional Comum Curricular, etc.
Nós, como sociedade, temos que exigir que os melhores especialistas em Educação e gestão pública atuem no Ministério da Educação. Se não fizermos isso restará apenas acreditar que um nutricionista pode treinar a seleção brasileira ou que um especialista em finanças, sem experiência com gestão na área de Educação, pode comandar o MEC.
Ernesto Martins Faria é diretor-fundador do Iede e doutorando em Organização do Ensino e Formação de Professores na Universidade de Coimbra
Esse texto foi originalmente publicado na Nova Escola