O uso de júri simulado como metodologia de ensino ativa
Atividade engaja os alunos, possibilita o aprofundamento em diversos temas e desenvolve a argumentação
Por Viviane Florentino de Melo, para a coluna Pesquisa Aplicada, parceria de Iede e Nova Escola
Um dos maiores desafios enfrentados pelos professores é envolver os alunos nas atividades de sala de aula, tirando-os de suas posturas passivas. Nesse sentido, pesquisadores do campo educacional têm defendido o uso de metodologias ativas. As atividades lúdicas podem ser uma maneira de despertar um interesse que é próprio do ser humano e que poderia permanecer latente caso só fossem utilizadas aulas expositivas (OLIVEIRA e SOARES, 2005). Essa pode ser também uma estratégia para diminuir o distanciamento entre professor e aluno, que é resultado do caráter formal da sala de aula convencional.
Ao se utilizar jogos em Educação deve-se atentar para o equilíbrio de suas duas funções: a lúdica e a educativa. Por meio do jogo, é possível ensinar qualquer conteúdo que complete o sujeito em seu saber, seus conhecimentos e sua visão de mundo, além de proporcionar o prazer dessa atividade. Contudo, se existir uma proeminência da função lúdica, não há ensino, somente o jogo pelo jogo; e se houver a proeminência da função educativa, não há jogo, somente material didático (OLIVEIRA e SOARES, 2005), e aí estamos de volta à aula “convencional”.
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Uma das atividades que vem sendo utilizada é o júri simulado, um jogo em que as pessoas devem ser separadas em grupos a favor, contra e juízes, e há uma discussão sobre um determinado tópico ou questão. O professor pode assumir uma dessas funções ou atuar como mediador, o que é mais comum. Nesse papel, o professor organiza e estrutura as contribuições dos grupos.
As atividades de júri simulado possibilitam o aprofundamento em determinados temas, visto que os alunos devem pesquisar e estabelecer relações entre assuntos e contextos para apresentar argumentos a favor ou contra a questão apresentada. Essa atividade permite o desenvolvimento de habilidades argumentativas, já que objetiva a discussão, e assim, demanda que os estudantes exponham seus argumentos e refutem os argumentos do grupo rival (VIEIRA et. al., 2014).
Além disso, no que se refere ao ensino de ciências, as atividades de júri simulado têm muito potencial para propiciar aos estudantes a vivência da prática científica, no sentido de debater, posicionar-se e defender ideias, visto que a Ciência é construída por meio da argumentação. Esta habilidade também é importante para o desenvolvimento da cidadania dos estudantes, pois a capacidade argumentativa é crucial para o exercício da cidadania nos espaços públicos de poder.
É muito grande a amplitude de assuntos que podem ser abordados em um júri simulado. Há desde questões controversas da atualidade, tais como a legalização do aborto e liberação de drogas; como fatos históricos ocorridos no Brasil e o no mundo; questões sociocientíficas (que envolvem o conhecimento científico em sua aplicação social), como o aquecimento global, o uso de agrotóxicos, a construção de usinas nucleares; conteúdos da área de ciências, dentre muitos outros. Existem ainda questões relativas à natureza de ciências, que, segundo Moura (2014), são um conjunto de elementos que tratam da construção, estabelecimento e organização do conhecimento científico.
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Para a preparação de uma atividade de júri simulado, o professor deve organizar a turma em pelo menos dois grupos: acusação e defesa. Caso opte por escolher alunos para atuarem como juízes, é interessante que o professor forneça uma estrutura que os auxilie a julgar os argumentos apresentados. É importante também que os estudantes tenham tempo para realizar pesquisas sobre o tema e levantar argumentos. O professor pode e deve orientar essa etapa, recomendando textos, sites e demais fontes que julgar pertinentes.
Durante a apresentação dos argumentos por parte dos grupos, é interessante que o professor atue como um animador, solicitando por mais elaboração dos argumentos e instigando os alunos a refletirem sobre as implicações do que foi dito. Para facilitar a visualização, o docente pode sintetizar os argumentos apresentados na lousa. Atividades de júri simulado geralmente demandam muito tempo de aula. Assim é importante que o professor se planeje, procure realizar a atividade em aulas duplas e seja claro quanto ao veredicto, já que os estudantes se importam muito com essa parte.
Quanto aos críticos do uso de atividades lúdicas para o ensino, que argumentam que o marcante para os estudantes é a atividade e não os conteúdos abordados, Oliveira e Soares (2005) defendem que a atividade é caminho para que o aluno volte ao conteúdo. Porém, pode-se ainda a partir do conteúdo, retornar às atividades. Assim sendo, os autores afirmam que, na verdade, conteúdos e atividade, quando trabalhados conjuntamente, acabam por ser indissociáveis.
*Viviane Florentino de Melo é doutoranda em Ensino, Filosofia e História das Ciências na Universidade Federal da Bahia (UFBA), mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e licenciada em Química. Desenvolve desde 2013 pesquisas sobre o uso de júris simulados no ensino. Foi professora de Química da educação básica por 8 anos.
Para saber mais
GOMES, T.; BARBOZA L. C. Uma Proposta de Júri Simulado como Estratégia Lúdica para Ensino de História da Química no Ensino Médio: A Teoria do Flogístico, Anais do VII EPPEQ,2013.
OLIVEIRA A. S.; SOARES M. H. S. B. Júri químico: uma atividade lúdica para discutir conceitos químicos.Química Nova na Escola, 2005.
VIEIRA, R. D.; MELO, V. F.; BERNARDO, J. R. R. O júri simulado como recurso didático para promover argumentações na formação de professores de física: o problema do ‘gato’. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências (Online)., v.16, p.203 – 226, 2014.