Já usou jogos com seus alunos? Eles podem ser muito úteis para a aprendizagem!
Como consequência da necessidade da introdução das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) no ambiente escolar, os jogos digitais têm aparecido como um dos recursos possíveis para apoio e melhoria da aprendizagem no contexto escolar brasileiro. A função motivacional dos jogos é provavelmente a característica mais citada pela literatura tanto internacional como nacional (Schifter, 2008; Egenfeldt-Nielson, 2007; MATTAR, 2010). O argumento mais comum é que os jogos são capazes de motivar os alunos e, consequentemente, despertar o interesse na aprendizagem dos conteúdos escolares.
Os jogos teriam a função de estender o tempo de contato com os conteúdos curriculares e promover a realização de exercícios de maneira mais agradável. Nesta perspectiva, os jogos seriam uma espécie de “acessório” que permitiria aos professores ganhar a atenção dos alunos e introduzir ou despertar o interesse deles por um assunto, aumentando sua probabilidade de fixação. No entanto, várias pesquisas recentes vêm apontando que essa visão dos jogos como simples adereços no processo de aprendizagem é limitada e subestima o real potencial desse recurso.
Domagk et. all. (2010), em um artigo sobre a interatividade na aprendizagem multimídia, aponta a existência de três tipos de engajamentos possíveis por meio do uso de recursos multimídia: o engajamento cognitivo, o engajamento afetivo e o engajamento comportamental. Segundo os autores, o engajamento cognitivo é aquele relacionado à realização de processamentos mentais e de metacognição, o engajamento afetivo é aquele que advém dos sentimentos e emoções despertadas e o engajamento comportamental é aquele que envolve a realização de ações ou reações que são expressas por meio de gestos e movimentos.
Entendemos que os jogos educacionais podem ser analisados a partir dessa mesma perspectiva, ou seja, podem promover esses três tipos de engajamento. Quando, por exemplo, o aluno analisa e interpreta um determinado cenário e escolhe uma determinada solução em vez de outra para resolver um problema, ele está realizando um conjunto de processamentos mentais. Esses processamentos estão ancorados em seus conhecimentos prévios, e que correspondem a ações de engajamento cognitivo. Jogos que não exigem esse engajamento cognitivo muito provavelmente não colaboram para que o aluno alcance os objetivos de aprendizagem.
De outro lado, as características dos jogos relacionadas a elementos como os personagens, o enredo e a música são capazes de engajar afetivamente os alunos (Lipscomb & Zehnder, 2004; Schneider et. all, 2004). Em nossas pesquisas, notamos claramente que jogos que possibilitam as crianças assumirem o papel de personagens como “aventureiros”, “heróis” e “animais bonitinhos” são os preferidos, bem como os cenários que possuam algum tipo de desafio como saltar obstáculos e fugir de inimigos. Neste sentido, o contexto lúdico e a fantasia presentes no jogo levam o aluno a envolver-se emocionalmente com o contexto ou história apresentada e, consequentemente, com a resolução de um problema cognitivo.
Já o engajamento comportamental no uso dos jogos pode se expressar principalmente pela habilidade de manipular ou controlar ações do jogo pelo teclado ou mouse. Poder controlar as ações e ser o protagonista na busca pelos objetivos do jogo parece também ser essencial para o envolvimento do aluno no jogo e no processo de aprendizagem. Mas, então, como explorar os elementos dos jogos para promover esses tipos de engajamento nos alunos?
Não a única, mas uma das possíveis respostas é explorar a chamada mecânica dos jogos. Todo jogo possui um conjunto de regras que define o que o jogador pode e não pode fazer. Estas regras ditam quais ações são válidas e podem ser realizadas para atingir os objetivos do jogo, por exemplo: andar, pular, clicar, arrastar, etc.
Coincidentemente, boa parte dos conteúdos escolares é baseada em regras, conceitos e procedimentos. Esses componentes do conhecimento (Merrill, 2007) estão presentes na língua portuguesa, na matemática, na física, entre outras áreas do conhecimento e podem ser adaptados e transpostos para se tornarem mecânicas de jogos. Um aspecto muito importante nesta transposição é não enfatizar a “decoreba”, mas sim a compreensão dos modelos mentais (Johnson-Laird,1983) que desejamos criar, que estão por trás das regras. Considerando nossas experiências, podemos usar jogos para apoiar o desenvolvimento da consciência fonológica, auxiliar os alunos a compreender a formação de palavras, operações matemáticas básicas, progressões aritméticas, geométricas, funções entre outros tópicos do currículo escolar.
Temos observado que as mecânicas dos jogos podem promover o engajamento afetivo e comportamental por meio do emprego de cenários dinâmicos que explorem a livre movimentação dos jogadores. Identificamos que jogos que apresentam além do desafio cognitivo, um desafio sensório-motor, como pegar itens, saltar e voar são mais apreciados pelos alunos.
Também temos percebido uma preferência das crianças por jogos nos quais o comando do personagem é realizado pelo teclado, pois existe uma sensação de maior controle e autenticidade das ações do que as realizadas apenas com cliques do mouse. Ou seja, as opções de controle do personagem influenciam como o aluno percebe seu êxito e a realização dos objetivos.
Cabe ressaltar, neste ponto, que a finalidade de todos estes tipos de engajamento, no entanto, é fomentar o envolvimento do aluno com os objetivos de aprendizagem. Devemos ter em mente que o uso dos jogos no ambiente escolar pode ir além de uma estratégia motivacional. No entanto, para que isso aconteça, no momento da seleção dos jogos é preciso realizar o esforço de identificar de que maneira o recurso desenvolve o conteúdo curricular e promove o engajamento cognitivo, afetivo e comportamental.
SAIBA MAIS
Domagk, S., Schwartz, RN , & Plass, JL (2010). Interactivity in multimedia learning: An integrated model . Computers in Human Behavior , 26 (5)
Egenfeldt-Nielson, S. (2007). The educational potential of computer games. New York, NY: Continuum Press.
Johnson-Laird, P. (1983). Mental models. Cambridge, MA: Harvard University Press. 513p.
Lipscomb, S.D., Zehnder, S.M. (2004) Immersion in the virtual environment: The effect of a musical score on the video gaming experience. Journal of Physiological Anthropology and Applied Human Science. 23 (6), 337-343.
MATTAR, João. Games em educação: como os nativos digitais aprendem. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010.
Merrill, M. D. (2007). “A task-centered instructional strategy.” Journal of Research on Technology in Education, 40(1), 33-50
Schifter, C. (2008). Infusing technology into the classroom: Continuous practice improvement. Hershey, PA: IGI Global.
Schneider, E.F., Lang, A., Shin, M., & Bradley, S.D.(2004). Death with a story: How story impacts emotional, motivational, and physiological responses to first-person shooter video games. Human Communication Research, 30 (1), 361-375.
Silvio Henrique Fiscarelli é mestre e doutor em Educação Escolar pela Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara (Unesp) e professor na mesma instituição
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