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Contribuições ao Debate - 16/03/2022

Inep mantém tendência e não divulga microdados de matrículas do Censo da Educação Superior

Órgão já havia realizado mudanças no Censo Escolar 2021 sob a justificativa de atender à LGPD. Segundo juristas, lei não impede o acesso a tais dados e não pode ser utilizada para barrar o acesso a informações relevantes à sociedade

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) divulgou, na terça-feira (15/3), os microdados do Censo da Educação Superior 2020. Mais uma vez, tal qual ocorreu com a divulgação dos dados detalhados do Censo Escolar 2021, não foram disponibilizadas informações no nível dos alunos. Não há dados no nível de matrícula e as únicas unidades de observação disponíveis são “cursos” e “IES”. 

As mudanças, segundo o Inep, ocorrem para atender às normas previstas na Lei n.º 13.709, de 14 de agosto de 2018 — Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Conforme a autarquia, “as mudanças na divulgação dos dados educacionais estão sendo executadas com base em estudos técnicos e análises jurídicas. O controle de privacidade nos censos educacionais do Inep foi analisado por meio de Termo de Execução Descentralizada (TED) firmado entre o Inep e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Diante dos resultados das análises, a Diretoria de Estudos Educacionais (Deed) do Inep produziu nota técnica sugerindo ações para solucionar o tratamento da privacidade nos microdados públicos.”

Amparado neste argumento, o Inep retirou de seu portal todos os microdados das bases antigas do Censo da Educação Superior e do Censo Escolar para “análise e adequação”. No dia 11/3, a autarquia do Ministério da Educação anunciou um cronograma de adequação dos microdados a este novo modelo de divulgação, com previsão de republicação dos microdados do Censo Escolar da Educação Básica, de 2007 a 2020, para 31 de março. Os microdados do Censo da Educação Superior, de 2009 a 2019, estão previstos para 20 de abril. 

Ao que tudo indica, essas bases devem sofrer as mesmas alterações das recém divulgadas, já que o órgão não fala em “revisão” ou “atualização” dos Censos Escolar e da Educação Superior para que voltem, de fato, a conter microdados (informações no nível do aluno e do professor). É preocupante, portanto, que o Inep entenda que a supressão de informações fundamentais para o debate público, para pesquisas e também para a elaboração e acompanhamento de algumas políticas públicas seja o melhor caminho para adequar suas bases à LGPD. 

LGPD não é incompatível com a divulgação de microdados – No Diário Oficial, de 14 de março, a Controladoria Geral da União (CGU) publicou um enunciado que diz que “a LAI e a LGPD são sistematicamente compatíveis entre si e harmonizam os direitos fundamentais do acesso à informação, da intimidade e da proteção aos dados pessoais, não havendo antinomia entre seus dispositivos”. 

Vale mencionar aqui também o Projeto de Lei 454/2002, dos deputados Tiago Mitraud e Adriana Ventura, que altera a LGPD e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação para autorizar o compartilhamento dos dados e microdados brutos do Censo Escolar e do Enem. Os deputados citam o “sopesamento entre os princípios constitucionais que fundamentam a LGPD e a LAI”  e defendem que “a proteção dos dados pessoais – pseudonimizados – deve ceder espaço à transparência e a melhor capacidade de modelar as políticas educacionais.” 

Entendemos que o PL, ainda que bem intencionado, precisa ser discutido e analisado com cautela, já que cita expressamente as bases do Enem e do Censo Escolar, mas não traz outras fontes importantes de dados, por exemplo o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).  Com isso, a LGPD poderia continuar a ser justificativa para a não divulgação de informações relevantes, sejam elas da área de Educação ou não. 

Juristas consultados pelo Iede são explícitos em indicar que nem todo dado pessoal precisa ser anonimizado ou pseudoanonimizado para que possa ser divulgado. Em artigo publicado no Nexo Jornal, assinado pelo Iede e por Marcela Mattiuzzo, advogada especialista em dados pessoais e sócia de VMCA Advogados, a profissional destaca que  “o Inep é um instituto de pesquisa e que a divulgação dos dados se dá essencialmente para atingir esse objetivo. Novamente, a própria LGPD destaca que há uma base legal específica que pode ser utilizada para tratamento de dados nesse contexto (art. 7º, IV e art. 11, II, c), e que, nesses casos, é dever daquele que conduz a pesquisa buscar a anonimização das informações, sempre que possível. Ora, uma conclusão lógica aqui precisa ser enfatizada: se a anonimização inviabilizar a condução da pesquisa, ela meramente não será obrigatória. Caso contrário, a lei teria afirmado que a anonimização é sempre um requisito essencial.” 

No Iede, realizamos um exercício a fim de mostrar, empiricamente, que mesmo uma interpretação extrema — e equivocada — da LGPD não inviabilizaria a divulgação dos microdados. Há muitas opções, a partir do ajuste em variáveis, de reduzir drasticamente ou mesmo zerar a possibilidade de re-identificação dos titulares dos dados (estudantes, professores e diretores, no caso concreto). 

Acesse:
NEXO: Proteção de dados não pode barrar o acesso à informação
Iede realiza análise empírica sobre a supressão dos microdados do Censo Escolar
Posicionamento sobre a nova forma de divulgação de dados do Enem e do Censo Escolar