Garantir que as crianças de famílias mais pobres tenham acesso a uma educação de qualidade é um desafio que também afeta os países mais ricos e que ocupam as primeiras posições no Pisa, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes. De acordo com um estudo feito pelo Instituto Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Portal Iede), com dados da última edição da prova, só duas regiões do mundo conseguiriam se manter acima da média mundial se fossem consideradas apenas as notas dos alunos de nível socioeconômico mais baixo: Macau e Hong Kong, ambas na China.
Como foi feita a comparação:
- Os dados são do Pisa 2015, que foi aplicado em 73 países ou regiõespara avaliar o desempenho dos estudantes de 15 anos.
- O nível socioeconômico é determinado segundo diversos critérios de renda e escolaridade da família dos estudantes (leia mais no fim da reportagem).
- A comparação usou apenas dados de escolas em que pelo menos dez alunos fizeram a prova e incluiu os resultados das três provas do Pisa: ciências, linguagens e matemática.
- Dessas, a comparação considerou as escolas onde o conjunto de estudantes matriculados apresentam um nível socioeconômico médio consideravelmente mais baixo do que a média da OCDE.
Resultados
Considerando todos os alunos e escolas avaliados, pelo menos 30 países ou regiões ficaram acima da média da OCDE em linguagens e matemática, e 31 deles ponturaram acima da média em ciências. Mas, no recorte que leva em conta apenas as escolas de baixa renda, a maior parte deles não conseguiria se manter dentro da média do grupo.
Dos cinco países com a maior média em matemática (que também estão entre os primeiros nas demais provas), só os alunos de Macau e Hong Kong se mantêm acima da média:
No Pisa 2015, dos cinco países ou regiões com médias mais altas, só dois se mantêm acima da média da OCDE considerando apenas as escolas com alunos mais pobres — Foto: Karina Almeida/G1
Os cinco países que apresentaram a maior discrepância de notas na comparação são Malta, Israel, Áustria, Eslováquia e França. Desses, a França fica acima da média mundial em todas as três provas, considerando sua média geral, e a Áustria teve o mesmo desempenho em ciências e matemática (em leitura, ficou 9 pontos abaixo da média).
No Pisa 2015, os cinco países com maior discrepância entre a média geral e a média só das escolas com alunos mais pobres são Malta, Israel, Áustria, Eslováquia e França — Foto: Karina Almeida/G1
Desafio mundial
Segundo Ernesto Faria, diretor executivo do Portal Iede, a equidade na educação é um desafio no mundo inteiro. “Garantir um ensino de qualidade para um aluno que tem boa bagagem cultural e um contexto favorável é uma coisa. Garantir [o mesmo ensino] para um aluno que tem muito mais dificuldade é outra”, afirmou ele ao G1.
Faria explica que um estudante com nível socioeconômico baixo tem menos acesso do que os demais ao que especialistas chamam de “bagagem cultural”, como atividades, experiências e materiais educativos e culturais proporcionados pelos pais que estimulam o aprendizado também fora da sala de aula.
Mas, além da falta desses estímulos, os alunos mais pobres também têm maior propensão a enfrentar outros obstáculos, como a falta de pais mais presentes em casa que estimulem e acompanhem seu desempenho na escola – um problema que diminui quanto maior for a escolaridade do pai e da mãe.
Brasil no ranking
O Brasil não está entre os países mais desiguais na comparação feita pelo Iede. O motivo, segundo o diretor do instituto, é o alto número de estudantes com baixo nível socioeconômico, que deixa o país em “outra realidade” no desafio de manter a equidade na educação.
“O Brasil tem vários problemas de desigualdade, mas o Brasil de baixa renda na verdade é o Brasil”, explicou ele. Segundo os dados, do total de estudantes avaliados, 82% estudavam em escolas com baixo NSE. Além disso, mesmo considerando todos os alunos, o Brasil ficou entre os últimos colocados do ranking, com resultados muito abaixo da média da OCDE.
No Brasil, resultado do Pisa 2015 na média geral do país e só entre as escolas com alunos de baixa renda não é tão discrepante porque as duas amostras são parecidas: 82% dos alunos avaliados estudam em escolas de NSE baixo; mas ambas as notas ficaram bem abaixo da média da OCDE — Foto: Karina Almeida/G1
“Essa margem acaba sendo mais interessante nos países ricos, porque tem poucos alunos nessa condição”, explicou Faria. Segundo ele, a discrepância de desempenho nos países que ficaram no topo do ranking ajuda na análise de “por que eles não conseguiram fazer um trabalho de qualidade com esses alunos [mais pobres]”.
Macau e Hong Kong, as duas regiões da China e as únicas entre o topo da tabela que conseguiram se manter acima da média da OCDE também considerando apenas as escolas com alunos de baixa renda, também têm uma realidade mais ou menos parecida com a do Brasil: nas duas, mais de 60% dos alunos com nota analisada estudam nesse grupo de escolas.
Entenda o NSE das escolas
- O nível socioeconômico de uma escola (NSE) é calculado no Brasil pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), de acordo com o padrão de vida das famílias dos alunos matriculados naquela escola.
- Na OCDE, o índice usado se chama “status econômico, social e cultural” (ESCS).
- Segundo o Inep, o ESCS “foi construído para ser comparável internacionalmente, refletindo importantes diferenças associadas ao contexto dos estudantes e das escolas avaliados no Pisa”.
- As variáveis usadas no cálculo do ESCS são o número de anos que os pais estudaram, o indicador de riqueza das famílias e o indicador de recursos educativos dentro de casa.
Acesse a reportagem no site do G1
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