Mais de 450 mil alunos do ensino fundamental ficaram sem atividade remota na pandemia
Texto originalmente publicado na Folha de S. Paulo, de autoria de Isabela Palhares
Apenas nos anos finais do ensino fundamental, nas turmas de 5º e 9º anos, mais de 450 mil alunos das redes municipais do Brasil estão em alto risco de abandonar os estudos depois da pandemia.
Isso representa quase 15% do total de matriculados nestes dois anos somados. São estudantes que passaram mais de um ano sem acompanhar nenhuma atividade remota durante o fechamento das escolas no país.
O levantamento de crianças em risco de abandono escolar foi feito por técnicos de 29 Tribunais de Contas do país, em parceria com o Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional) e o CTE-IRB (Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa).
O processo de coleta dos dados indica que o número de alunos em risco pode ser ainda maior, já que a maioria das localidades teve dificuldade de apresentar um diagnóstico do acompanhamento das atividades escolares durante o fechamento de escolas.
A pesquisa não permite dizer que esses alunos já abandonaram os estudos, mas que eles estão em alto risco de não retornar à escola depois de mais de um ano sem acompanhamento. A saída desses estudantes pode levar o país a um retrocesso de anos, já que o acesso educacional de crianças e adolescentes nessa etapa, dos 6 aos 14 anos, estava praticamente universalizado antes da pandemia —era de 99%.
“Corremos o risco de um enorme retrocesso caso esses alunos não voltem para a escola. Por isso, precisamos de uma ação coordenada em todo o país para melhorar as ferramentas de acompanhamento, identificar quem ainda está fora e fazer ações de busca ativa”, diz Cezar Miola, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul e presidente do CTE-IRB.
O levantamento mostra ainda as desigualdades regionais do risco de abandono escolar. Enquanto na região Sul a média de participação dos alunos de 5º ano foi de 96,2%, no Nordeste, o índice foi de 88%. O mesmo ocorre com a média do 9º ano.
“A pandemia reforçou ainda mais as desigualdades que já existiam, ela atuou mais forte contra quem estava mais vulnerável e isso vale também para as redes de ensino. As redes com menos recursos tiveram mais dificuldade de adaptação tecnológica, de ter professores para a busca ativa”, diz Ernesto Faria, diretor-fundador do Iede.
Ainda que a maioria das redes públicas de ensino no país já tenha reaberto suas escolas, uma pesquisa do Datafolha, divulgada em outubro, indicou que a retomada tem ocorrido de forma desigual no país. São exatamente as regiões com maior risco de evasão que têm demorado mais para retornar às aulas presenciais.
Enquanto na região Sul, 90% dos estudantes já puderam voltar a frequentar a escola, no Nordeste só 40% tiveram essa opção. A demora também tem prejudicado mais os estudantes negros e pobres.
Em setembro, 65% dos alunos do país tiveram suas escolas reabertas, ainda que parcialmente. Entre os estudantes brancos, o índice chegou a 72%, mas ficou em 61% para os negros.
Entre as três faixas de maior nível socioeconômico, a retomada das aulas presenciais alcançou 73% dos alunos. Mas era de apenas 41% para aqueles que estão nas três menores faixas de renda.
“Quanto mais demoramos para identificar quem está fora da escola, mais difícil será trazê-los para dentro depois”, diz Faria.
Enquanto estados e municípios enfrentam dificuldade para identificar os alunos em risco e desenvolver ações para que retomem as atividades escolares, o MEC tem se ausentado do assunto durante a pandemia.
Nesta quarta (24), a Comissão Externa da Câmara dos Deputados, que acompanha as ações do MEC, apresentou relatório apontando que, mais de 20 meses após o fechamento das escolas, o órgão do governo federal não realizou nenhum diagnóstico sobre as perdas de aprendizagem dos alunos e evasão escolar.
Procurado, o MEC não respondeu se pretende adotar alguma medida para evitar o aumento do abandono escolar no país.