Alfabetização desaba em avaliação e frustra aposta de Bolsonaro no ensino domiciliar
Texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo, de autoria de Paulo Saldaña, Isabela Palhares e William Cardoso.
Provas do Saeb foram aplicadas no 2º ano do fundamental; principais ações do governo para essa fase focavam atividades em casa
“Esperávamos que os resultados do 2º ano fossem piores pela dificuldade de fazer esse processo a distância, mas quando a gente olha para os resultados de língua portuguesa vemos que o resultado foi brutal”, diz Ernesto Faria, diretor fundador do Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional).
A alfabetização era apontada durante a pandemia como a maior preocupação com o fechamento das escolas. Para crianças em fase de alfabetização, há enorme dificuldade de ensino com o ensino remoto —na maioria das redes públicas, a principal estratégia de manutenção de atividades foi por atividades impressas e contato por aplicativos de mensagens.
No entanto, o governo Jair Bolsonaro (PL) elegeu a alfabetização como prioridade da gestão do MEC (Ministério da Educação) e investiu exatamente em ações de ensino em casa como estratégia de alfabetização. Iniciativas como a entrega de livros para famílias e a oferta de um game de alfabetização tiveram protagonismo na gestão, além de terem sido amplamente divulgadas pelo governo.
A regulamentação do ensino domiciliar foi, inclusive, uma das principais bandeiras do governo na área da educação. Um projeto patrocinado por Bolsonaro passou na Câmara e aguarda análise do Senado.O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), responsável pela avaliação, organiza os resultados da avaliação de alfabetização em uma distribuição percentual por oito níveis de proficiência. O governo não definiu, entretanto, a partir de qual nível um aluno é considerado plenamente alfabetizado.Mas a distribuição dos alunos por níveis já mostra o recuo dos estudantes mais novos e o impacto da pandemia de Covid-19. Em 2019, havia 8,8% dos alunos no nível 1 ou abaixo do 1.Na avaliação de 2021, o índice foi de 23,6% dos alunos no nível 1 ou abaixo dele. Ficaram nos dois últimos níveis 10,3% dos estudantes, eram 14,8% em 2019.Em matemática, a queda da nota média dos alunos de 2º ano do ensino fundamental foi menor, de nove pontos. Passou de 750 para 741.”O maior impacto foi nessa fase de alfabetização porque é muito difícil alfabetizar no ensino remoto. Há nessa fase um maior vínculo com o professor, depende muito mais da escola”, diz o diretor de conhecimento, dados e pesquisa da Fundação Lemann, Daniel de Bonis.
O fechamento das escolas por causa da pandemia de coronavírus resultou em uma queda de aprendizado dos alunos de escolas públicas e privadas em todas as etapas da educação básica.O Brasil foi um dos países com maior tempo de escolas fechadas no mundo. Foram quase dois anos letivos sem aulas presenciais. A oferta de ensino remoto foi desigual pelo país.A maior queda ocorreu em matemática no 5º ano do ensino fundamental, cuja nota na avaliação passou de 227,88, em 2019, para 216,85 pontos. Isso considerando a rede pública e privada.Essa queda interrompeu uma tendência de melhoria experimentada desde o início da série histórica, em 2005.
SAEB E IDEB
O Saeb compõe o principal termômetro da educação brasileira. A aplicação é feita a cada dois anos pelo Inep, órgão do Ministério da Educação.A avaliação, que envolve provas de português e matemática, compõe um indicador chamado Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), ao combinar resultados de aprovação escolar. Como na pandemia as redes de ensino seguiram orientação de não reprovar os alunos, os dados do Ideb ficaram prejudicados, indicando um comportamento artificial de melhora.
ENTENDA O IDEB
O que é?
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica foi criado pelo Inep em 2007 para medir a qualidade do aprendizado nacional e estabelecer metas para a melhoria do ensino.O indicador é calculado para cada escola, município e estado.
O Ideb é formado por dois fatores:
- desempenho dos estudantes no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica); as provas de matemática e português são aplicadas a cada dois anos
- taxas de aprovação escolar
Com esses dois componentes é calculado o índice, que varia de 0 a 10.