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Esta página traz livretos, análises e artigos sobre o desempenho dos estudantes brasileiros no Saeb, no Ideb, no Pisa e no Pirls, além de dados do Indicador de Permanência Escolar, criado pelo Iede para mensurar o total de crianças e jovens que abandonam a escola sem ter concluído a Educação Básica.

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Contribuições ao Debate - Estadão 30/06/2021

Taxa de alunos pretos com aprendizado adequado é menor do que a de brancos de mesma classe social

Reportagem publicada no Estadão

Escrito por Júlia Marques e Manoela Bonaldo, O Estado de S.Paulo

O porcentual de estudantes pretos com desempenho adequado em Português e Matemática é menor do que a taxa entre alunos brancos. Em alguns casos, a proporção de alunos pretos com boas notas nessas disciplinas chega a ser a metade da verificada entre brancos. As diferenças de desempenho, até entre jovens com o mesmo nível socioeconômico, apontam para desigualdades nas oportunidades e estímulos desde o início da vida escolar e reflexos do racismo neste percurso de aprendizagem.

Os dados de desempenho dos estudantes brasileiros no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), principal prova do Ministério da Educação para avaliar esta etapa de ensino, em 2019 foram compilados pelo Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede) a pedido da Fundação Lemann. Segundo o mapeamento, a diferença de desempenho de crianças e adolescentes pretos em relação aos estudantes brancos é verificada até mesmo quando são comparados grupos com o mesmo nível socioeconômico.

Estudante negro na universidade
Mesmo quando são comparados apenas alunos brancos e pretos de alto nível socioeconômico, há disparidades Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

De acordo com o estudo, 65,1% dos estudantes brancos do 5.º ano do ensino fundamental alcançaram desempenho adequado em Língua Portuguesa. Entre os alunos pretos, o porcentual cai para 40,3%. Na mesma série, em Matemática, 31,2% dos pretos têm desempenho adequado – entre os brancos, a proporção sobe para 55,8%.

No 9.º ano, a proporção de alunos com bom desempenho nas duas disciplinas cai para todos os estudantes, mas é ainda menor entre os jovens pretos. Em Matemática, por exemplo, apenas 11,9% dos jovens pretos de 15 anos tem desempenho adequado, a metade do porcentual verificado entre os adolescentes brancos (25,8%).

Mesmo quando são comparados apenas alunos brancos e pretos de alto nível socioeconômico, há disparidades. Enquanto 3/4 dos alunos brancos de alto nível socioeconômico alcançam bom desempenho em Língua Portuguesa no 5º ano, entre os pretos com o mesmo nível socioeconômico nem a metade (48,9%) tem desempenho considerado adequado.

Em todos os Estados brasileiros, há diferenças no porcentual de alunos brancos e pretos com desempenho adequado em Português e Matemática. Em alguns Estados, porém, a disparidade é maior. Rio Grande do Sul e Santa Catarina, por exemplo, têm grandes diferenças de desempenho por raça na maior parte dos quesitos avaliados.

Para Ernesto Faria, diretor executivo do Iede, os dados revelam que o abismo na aprendizagem não se deve apenas à questão socioeconômica. A falta de estímulos positivos aos alunos pretos e a baixa expectativa de professores com esses estudantes podem levar à queda no desempenho e ao abandono escolar.

“Quando olhamos para o nível socioeconômico mais alto, vemos desigualdades mais fortes. Entre um aluno branco e um preto de alto nível socioeconômico, vemos uma desigualdade maior do que quando comparados alunos de baixo nível socioeconômico. Isso tem a ver com um deslocamento que o aluno preto sente em um grupo em que tende a ser minoria”, diz Faria.

Racismo e a “implicância” de professores fizeram João Victor, hoje com 13 anos, abandonar uma escola particular de São Paulo, onde estudava com bolsa desde os 8 anos de idade. As notas do menino no colégio caíam à medida em que o clima de acolhimento no colégio se deteriorava, segundo Esther Rufino, de 43 anos, mãe do adolescente.

“Meu filho sofreu racismo por um colega, que o chamou de bife queimado”, lembra a mãe. Ela procurou a escola, mas a resposta foi a de que o filho era bagunceiro e que o ocorrido foi um “desentendimento” entre os colegas. Professores diziam que o menino era hiperativo, sugeriam tratamento médico, e uma delas chegou a impedi-lo de ir ao banheiro várias vezes.

“No final, eu já não aguentava mais os olhares. Meu filho pedindo para sair, dizendo que não aguentava mais aquele lugar, além das notas reduzirem muito”, conta a mãe. Matriculado em um novo colégio, a avaliação foi a de que o menino era um bom aluno, educado, como todos os estudantes.

Segundo Faria, para superar as desigualdades raciais, cabe à escola gerar estímulos e demonstrar alta expectativa com alunos pretos. Também é preciso dar oportunidades para crianças e jovens se desenvolverem. O tema, no entanto, ainda não ganha a devida atenção dos gestores e as desigualdades são vistas apenas como questões socioeconômicas – e não raciais.

O desestímulo e críticas racistas na escola quase fizeram o comunicador popular Marcos Santos, de 20 anos, largar os estudos. Ele lembra até hoje das eleições para o grêmio estudantil em um colégio público da Bahia. “Cheguei à sala da direção muito contente porque ia concorrer, mas um professor de Química me falou assim: ‘Com esse cabelo você só vai ser presidente do tráfico de favelas’.”

O jovem diz ter cogitado desistir de estudar, mas ao mesmo tempo sentiu que precisava aguentar. “Se eu não resistir ao que me fere, como vou combater isso?”, pensou. “Eu me lembro desse episódio até hoje, como se fosse recente. Ele era um professor que veio para nos ensinar, mas me oprimiu”, diz o jovem, que também sofreu ofensas racistas de colegas.

Procurado para comentar as disparidades raciais na educação brasileira, o MEC não se manifestou.

A reportagem foi originalmente publicada no Estadão