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Contribuições ao Debate - Nova Escola 14/12/2018

Escola também é responsável pelo desenvolvimento de valores morais

Formação moral não é responsabilidade exclusiva da família. Escola é local para aprender a lidar com a diversidade e a conviver de forma democrática

Por Telma Vinha, para a coluna Pesquisa Aplicada, da Nova Escola

O trabalho com a educação moral significa a possibilidade de desenvolver uma formação no sentido de proporcionar aos alunos “uma constante atitude crítica, de reconhecimento dos limites e possibilidades dos sujeitos e das circunstâncias, de problematização das ações e relações e dos valores e regras que os norteiam” (BRASIL, PCN, ÉTICA,1997, p. 61). A formação dos valores morais é função da família, da escola e da sociedade como um todo. No entanto, ainda há muitos educadores que acreditam que isso é responsabilidade exclusiva da família.

Um exemplo para ilustrar essa concepção está em uma pesquisa de caráter exploratório realizada em uma escola de Ensino Fundamental de Campinas, no interior de São Paulo, em 2012, a pesquisadora L. G. Ferreira encontrou que, apesar de constar explicitamente nos Projetos Político-Pedagógicos a intenção de desenvolver autonomia, criticidade, justiça e solidariedade, entre outros valores, o desenvolvimento da moralidade não era visto pelos educadores como sendo uma tarefa essencial da escola. A pesquisa, feita a partir de observações de aula e entrevistas com os docentes, identificou alguns professores diziam que tinham que trabalhar os valores porque “faltavam” aos alunos, numa tentativa de suprir uma “lacuna” familiar. Apesar de insatisfeitos com os valores dos alunos ou com a ausência de alguns valores que consideravam importantes, como o respeito (compreendido principalmente como obediência e polidez com os adultos), os profissionais da escola não se sentiam implicados ou corresponsáveis com esta formação.

Em nossa sociedade, existem duas instituições formalmente responsáveis pela educação formal do ser humano: a família e a escola. Elas possuem caráter diferenciado e, portanto, funções e objetivos distintos. A educação informal, no sentido de não sistematizada ou não intencional, começa desde que o indivíduo nasce e aos poucos se relaciona com aqueles com os quais convive em sua casa e comunidade. Ocorre no espaço familiar onde acontece a socialização primária (SAVATER, 2005), ou seja, a criança aprende atitudes fundamentais que aos poucos a fazem diferenciar o certo do errado, de acordo com a comunidade em que está inserida.

É no âmbito familiar que será vivenciado o espaço privado, em que as relações são assimétricas, isto é, os pais têm mais autoridade e poder sobre os filhos. Nesse espaço, os papéis se conservam, isto é, a mãe nunca deixará de ser a mãe, o pai e filho idem, mesmo que o filho brigue ou desobedeça. Isso já não ocorre na escola, onde a manutenção das relações depende muito das ações – o espaço não é mais de intimidade, é um espaço público.

É na escola que a criança irá experimentar a igualdade e aprender a lidar com a diversidade, contribuindo para a passagem do espaço privado para o coletivo. A criança, que possui um lugar privilegiado no seio familiar; na escola, torna-se “igual aos demais” dando início a uma nova aprendizagem. Assim, aqueles valores mais particulares da família, como o preconceito ou a submissão à autoridade, por exemplo, são transformados em valores socialmente desejáveis, como o respeito à diversidade e igualdade. A escola é um espaço de convivência por excelência e, portanto, de possibilidade dessa convivência ser mais democrática, favorecendo o desenvolvimento dos valores morais.

Por meio dessa socialização secundária, que consiste no ensino dos conhecimentos e na aprendizagem dos valores sociais, o estudante terá a oportunidade de aprender a viver em uma sociedade democrática. Isso envolve o reconhecimento do outro e a busca por coordenar perspectivas distintas, administrar conflitos de uma maneira dialógica e justa, estabelecer relações e perceber a necessidade de regras para se viver bem. Apesar de complementares nesse processo, cabe a escola à aprendizagem da dimensão coletiva, trabalhando com a questão da igualdade (mesmas regras e princípios para todos), do respeito à dignidade de qualquer ser humano, da justiça, da responsabilidade, do diálogo como processo para resolver os conflitos e da convivência democrática.

Já a família atua com valores individuais, como o cuidado, a solidariedade, a generosidade e a bondade, a proteção aos seus. Em geral, a família educa com os valores presentes em sua comunidade, bairro, religião, mas a educação escolar deve ampliar o universo da criança, apresentar o mundo, as culturas, defendendo os valores socialmente desejáveis. Nesse sentido, a escola é a que nos institui enquanto ser humano numa vida em sociedade, uns com os outros (juntos), ensinando tudo aquilo que nos humaniza: conversar com o outro, lidar com o outro, compreender o outro, coordenar perspectivas, conviver juntos, aprender a viver com e para o outro. Só a escola pode (NÓVOA, 2007). O fato de possuírem papéis complementares não significa que se houver falha na primeira socialização, a segunda não terá êxito.

Dessa forma, independentemente de a família desempenhar seu papel, a escola necessita educar seus alunos para a vivência em uma sociedade democrática e contemporânea. Não pode ficar esperando mudanças nas famílias, receber alunos ideais ou que já tenham determinadas características para achar que, assim, terá êxito em sua tarefa. O desafio é dar conta do que acontece dentro do espaço de sua responsabilidade, no que se refere tanto à construção da moralidade, quanto à aquisição do conhecimento.

*Telma Vinha é pedagoga, doutora em educação na área de Psicologia, Desenvolvimento Humano e Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp e professora do departamento de Psicologia Educacional desta mesma instituição. É membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Moral (Gepem) da Unicamp/Unesp.

Acesse o texto na coluna Pesquisa Aplicada, na Nova Escola

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Para saber mais:

VINHA, T. P.; NUNES, C.A.A; SILVA, L.M.F.; VIVALDI, F.M.C; MORO, A. Da escola para a vida em sociedade: o valor da convivência democrática. Americana, SP: Adonis, 2017.

FERREIRA, L. G.; VINHA, T. P. O desenvolvimento moral na escola: os procedimentos da educação moral. Relatório de Pesquisa. Fapesp. 2012.

SAVATER, F. O valor de educar. São Paulo: Planeta do Brasil, 2005.

NÓVOA, A. Para uma formação de professores construída dentro da profissão. Universidade de Lisboa. Lisboa. Portugal. 2009.