Equipes de Ajuda: o que aprendemos com esse modelo contra bullying
Adaptado da Espanha, modelo começou em 2015 em escolas do interior de São Paulo e visa a melhorar a convivência. Os próprios alunos são formados para apoiar os colegas
Por Luciene Tognetta, para a coluna Pesquisa Aplicada, parceria de Iede e Nova Escola
Em 2015, começou em algumas escolas brasileiras a implantação das Equipes de Ajuda – grupos formados pelos próprios alunos para apoiar os demais. Os escolhidos recebem formação sobre como identificar e lidar com os problemas dos colegas como, por exemplo, estar sendo vítima de bullying. Equipes de Ajuda é um tipo de SAI (Sistema de Apoio entre Iguais). O modelo foi organizado pelo professor e pesquisador José Maria Avilés Martínez, na Espanha, e adaptado por mim e meu grupo de orientandos à realidade brasileira. No primeiro artigo publicado neste espaço, abordei a primeira fase de implantação das Equipes de Ajuda no Brasil e o que as pesquisas feitas até o momento mostram em relação à sua eficácia. Neste artigo, quero abordar a segunda e a terceira fase do projeto.
Segunda fase: comparações entre os modelos brasileiro e espanhol
Na segunda etapa da implementação das Equipes de Ajuda objetivou-se a comparação entre os modelos brasileiro e espanhol. Em uma das investigações, buscou-se comparar as respostas de professores brasileiros e espanhóis quanto a seus julgamentos diante de situações de bullying. Participaram da investigação 328 professores de Educação Básica do interior do Estado de São Paulo e 395 professores espanhóis. Os resultados indicam maior engajamento moral dos professores que, tanto na Espanha como no Brasil, passaram por formações e tiveram implementadas em suas escolas Equipes de Ajuda.
Contudo, ao compararmos os modelos brasileiro e espanhol, constatamos que professores espanhóis, ainda que de escolas que não tenham Equipes de Ajuda, apresentam menos desengajamentos morais do que os professores brasileiros dos dois grupos estudados. Certamente, as políticas públicas de formação de professores e a inserção de programas obrigatórios para a temática da convivência na Espanha influenciaram nos resultados. Essas, por sua vez, nos mostram a necessidade dos encaminhamentos nas políticas brasileiras para a organização desses programas (TOGNETTA, MARTÍNEZ, 2019).
Outra pesquisa buscou investigar o clima escolar e a qualidade da convivência nas escolas na percepção de estudantes, estabelecendo as seguintes comparações: escolas com e sem Equipes de Ajuda no Brasil; e entre as escolas do Brasil e da Espanha nos mesmos modelos (TOGNETTA; SOUZA; AVILÉS MARTÍNEZ; DUARTE, 2018). Os dados demonstraram que a implementação das Equipes está relacionada com a percepção de um clima favorável na escola. Além disso, ser bem tratado por professores e professoras, ter amigos e sentir-se protegido e acolhido na escola parecem ser questões para serem resolvidas mais em escolas brasileiras do que em escola espanholas. Já em escolas com as Equipes de Ajuda, em ambos os modelos brasileiro e espanhol, os alunos e alunas podem contar com um número maior de amigos que os acolhem.
Terceira fase: a sustentabilidade do projeto
As análises qualitativas e as investigações que conduzimos sobre as primeiras implantações das Equipes de Ajuda no Brasil nos apontaram a urgência de se considerar uma terceira etapa do projeto nessas escolas. Com a pesquisa de Lapa (2019), foi possível constatar que, depois de um e dois anos de implantação do trabalho, não houve mudanças significativas em relação à incidência de intimidações nas escolas com Equipes de Ajuda – ainda que, na percepção dos alunos, muitas foram as conquistas quanto a uma convivência mais saudável.
Quando comparados dois grupos – escolas com Equipes de Ajuda e sem Equipes de Ajuda – os resultados apontam que a percepção e tomada de consciência da complexidade do fenômeno é muito maior naquelas em que se debruçaram a pensar no problema: em escolas em que há o trabalho com as Equipes de Ajuda, os alunos conseguem perceber o bullying como um “problema” muito mais do que em escolas em que este fenômeno não seja tratado com o conjunto de ações proposto.
Por outro lado, os resultados dessa investigação, somada a outra conduzida por Souza (2019) apontam para algumas conclusões importantes: a primeira delas é que não se avalia um projeto de tamanha complexidade em tão pouco tempo de atuação. A segunda é que as ações para a efetividade das crenças de autoeficácia pelos membros de toda a escola devem superar a atuação dos alunos e alunas de Equipes de Ajuda em intervenções aos problemas individuais. É preciso, para que o projeto se firme com o propósito de transformar as relações e estabelecer o “espírito de solidariedade” que tanto queremos, que os próprios membros das Equipes de Ajuda possam assumir, depois de formados, a formação dos próximos membros, bem como a organização de estratégias de disseminação dos valores morais e atitudes de assertividade na escola. É fundamental que se crie uma espécie de sustentabilidade do programa.
A eficácia de um programa de convivência e combate à violência na escola só é possível quando se organiza uma estrutura que reúna ações intencionais, planejadas e sistemáticas. A experiência brasileira na estruturação de programas com essa temática ainda é um trabalho artesanal realizado em poucas escolas. Não temos, ainda, políticas públicas que possam dar garantias de que a aprendizagem da convivência é de fato, direito de nossas crianças e adolescentes.
Luciene Tognetta realizou doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP e doutorado sanduiche pela Universidade de Genebra. Pós doutora pela Universidade do Minho (Portugal). É professora da Unesp de Araraquara, pesquisadora e líder do GEPEM (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral), da Unicamp/Unesp e organizadora do Programa de Implantação das Equipes de Ajuda no Brasil.
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Para saber mais
NADAI, S. C. T. de. Disciplina de educação parental e participação em processo de vitimização entre pares. 2019. 192f. Dissertação (Mestrado em Educação Escolar), Faculdade de Ciências e Letras, Unesp, 2019.
KNOENER, D. F. B. Quando a convivência pede por cuidado: bullying e assédio moral em ambientes universitários. 2019. 294f. Dissertação (Mestrado em Educação Escolar), Faculdade de Ciências e Letras, Unesp, 2019.
SOUZA, R. A. de. Quando a mão que acolhe é igual a minha: a ajuda em situações de (cyber)bullying entre adolescentes. 2019. 161f. Dissertação (Mestrado em Educação Escolar), Faculdade de Ciências e Letras, Unesp, 2019.
LAPA, L. Z. Valentes contra o bullying: a implantação das Equipes de Ajuda, uma experiência brasileira. 2019. 315f. Dissertação (Mestrado em Educação Escolar), Faculdade de Ciências e Letras, Unesp, 2019.
BOMFIM, S. A. B. Respeito, justiça e solidariedade no coração de quem ajuda: valores morais e protagonismo entre alunos para combater o bullying. 2019. 210f. Dissertação (Mestrado em Educação Escolar), Faculdade de Ciências e Letras, Unesp, 2019.
TOGNETTA, L.R.P.; SOUZA, R.A.; LAPA, L. A implantação das Equipes de Ajuda no Brasil: primeiros resultados. Relatório de pesquisa, 2019.
TOGNETTA, L.R.P.; AVILÉS MARTÍNEZ, J.M.; SOUZA, RAUL.A; DUARTE, L A percepção de estudantes sobre a convivência na escola: um estudo sobre contribuições dos Sistemas de Apoio entre Iguais em instituições escolares brasileiras e espanholas. Relatório de Pesquisa, 2019.