Artigo: Ensino público com bons resultados
Por Ernesto Faria, Lecticia Maggi e Mozart Neves Ramos, para o Correio Braziliense
O compartilhamento de boas práticas entre escolas e redes de ensino não é algo usual no Brasil, mas deveria ser. Temos 5.570 redes municipais de ensino, várias das quais adotam ações interessantes em educação, que no entanto não chegam ao conhecimento das demais. O compartilhamento e a disseminação de boas práticas são extremamente valiosos, especialmente no atual contexto, em que os desafios históricos do país em relação à aprendizagem e à permanência escolar dos estudantes foram agravados pelo período de pandemia.
Dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) 2021, recém-divulgados pelo Ministério da Educação (MEC), mostram que houve queda de aprendizagem em língua portuguesa e em matemática em todas as etapas avaliadas. O Brasil todo tem um longo caminho pela frente para chegar a resultados educacionais equiparáveis, por exemplo, aos dos países desenvolvidos, tomando como referência o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). É importante ainda ressaltar que algumas disciplinas e etapas são mais complexas do que outras, como é o caso da matemática e do ensino médio, respectivamente.
No livro Ensino público com bons resultados, produzido pelo centro de pesquisas em educação Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), em parceria com a editora Moderna e a Fundação Santillana (FS) e com apoio da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto (IEA — RP/USP), há uma compilação de estratégias e ações de redes de ensino de destaque no ensino fundamental em relação a cinco eixos estruturantes da educação: (1) políticas para professores; (2) avaliação e monitoramento da aprendizagem; (3) atuação da Secretaria de Educação; (4) currículo; e (5) material didático. A obra tem distribuição gratuita, e a versão digital está disponível aqui.
No primeiro eixo, por exemplo, relativo à política de professores, as redes têm em comum uma política consolidada de formação continuada e garantem condições para que os professores e gestores participem dos encontros formativos. Isso é feito, por exemplo, por meio de formações continuadas em serviço, já incluídas na carga horária do educador e previstas no calendário escolar. Esses pontos são fundamentais, já que, segundo os questionários do Saeb 2017, mais de 80% dos professores gostariam de ter participado de mais atividades de desenvolvimento profissional nos dois anos anteriores. Porém, 65% alegaram que não tinham disponibilidade de tempo, e 64%, que houve conflito com o horário de trabalho. Além disso, nas redes de ensino com melhores resultados, as formações são vistas como mecanismos de coesão e de valorização dos profissionais, e aqueles que mais se destacam são convidados a ministrar cursos e palestras aos colegas.
A avaliação e o monitoramento são outros pontos-chave da atuação desses municípios, que, em geral, utilizam instrumentos diversos para o acompanhamento dos estudantes: além das avaliações de larga escala, há avaliações constantes elaboradas pela Secretaria de Educação e pelos professores de cada turma, além de observações frequentes de sala de aula por parte de coordenadores e gestores. Isso permite que se façam intervenções pedagógicas mais rápidas, evitando que as defasagens de aprendizagem dos estudantes se acumulem e que a equipe só descubra ao final do bimestre, por exemplo, que alguns não estão evoluindo da forma esperada e ficando para trás.
Nessas redes, as avaliações diagnósticas são utilizadas como base para mudanças, servindo para estruturar o reforço escolar e direcionar a formação de professores. Vale destacar também que, para que as escolas alcancem bons resultados educacionais, a atuação da Secretaria de Educação importa muito. Além do óbvio suporte estrutural — disponibilidade de recursos materiais, logísticos e humanos às unidades de ensino —, faz muita diferença o apoio pedagógico. Em geral, nas redes de destaque, as equipes da Secretaria de Educação atuam de maneira bastante próxima das escolas: desburocratizam e facilitam a comunicação (via WhatsApp, e-mail, telefone e pessoalmente), e realizam reuniões constantes com os diretores e visitas periódicas às unidades de ensino.
Além disso, centralizam parte das atividades administrativas, para que as escolas possam ter mais tempo para se dedicar à aprendizagem dos estudantes. Garantir uma educação de excelência depende de múltiplos fatores. Talvez o compartilhamento de boas práticas não seja capaz de nos proporcionar indicadores educacionais similares aos dos melhores sistemas educacionais do mundo. Mas, caso consigamos universalizar os avanços já obtidos por algumas de nossas redes de ensino, milhares de estudantes terão a vida transformada. É isso que nos move e precisa ser o nosso compromisso.
Por Ernesto Faria, Lecticia Maggi e Mozart Neves Ramos, para o Correio Braziliense