Artigo | Brasil precisa rever as avaliações de aprendizagem
Por Ernesto Faria, para o Correio Braziliense
Desde a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) — o principal indicador de qualidade da educação básica brasileira — em 2007, passamos a acompanhar avanços nos resultados dos anos iniciais do Ensino Fundamental maiores do que os vistos nos anos finais e no ensino médio. Havia a expectativa, especialmente após 2009, de que essa melhora levaria a indicadores mais altos nas etapas seguintes. Pensávamos que, se os alunos chegavam ao 6º ano mais bem preparados, eles iriam concluir o ensino fundamental e o ensino médio também com níveis melhores de aprendizagem.
Isso, infelizmente, não aconteceu. Ocorreram alguns avanços modestos nos anos finais e no ensino médio, mas nada próximo ao apresentado no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e Ideb dos anos iniciais. Lembramos que, junto às taxas de aprovação dos estudantes, as médias do Saeb em língua portuguesa e matemática servem para compor a nota do Ideb.
Análises comparando os resultados do Saeb e do Pisa (Programme for International Student Assessment), avaliação internacional de estudantes, mostram que um resultado bom no Saeb do 5º ano não é um grande preditor de bom desempenho no Pisa. Em 2017, a Fundação Cesgranrio, em iniciativa da Fundação Lemann com a OCDE, aplicou o Pisa Para Escolas em escolas públicas que se destacavam no Saeb. O que vimos é que a maioria delas, embora estivesse acima da média do Brasil, não teve resultados expressivos como se poderia esperar.
O que parece é que o Saeb censitário para escolas públicas e o Ideb trouxeram um incentivo para que redes de ensino e escolas olhassem mais para as habilidades que são cobradas na avaliação. Isso é bom por dar visibilidade a habilidades e competências que devem ser trabalhadas em sala de aula, mas também pode ter efeitos negativos se houver um foco excessivo no Saeb. Outro ponto é: se a exigência da avaliação não for alta, é possível que os alunos obtenham um bom resultado sem que isso represente um grande nível de aprendizagem.
Agora, com a divulgação do Saeb 2021, temos mais indicações de que o Saeb do 5º ano é pouco exigente. Mesmo após todos os desafios impostos pela pandemia, ainda vemos alunos de várias escolas públicas do país gabaritando ou quase gabaritando a avaliação, com resultados muito altos. E, o mais impactante, é que os índices da rede privada quase não mudaram: em matemática, passaram de 253, em 2019, para 250, em 2021; enquanto em língua portuguesa, a variação foi de 241 para 240. É preciso destacar: em nenhuma avaliação de proficiência todos os alunos de uma localidade deveriam acertar todas (ou quase todas) as questões. Se olharmos para o desempenho dos melhores países no Pisa, como Cingapura, Estônia ou Finlândia, isso não acontece. Uma boa avaliação precisa ter itens difíceis para a identificação de alunos com um alto nível de desenvolvimento.
Mas, afinal, qual a implicação de um Saeb que parece pouco exigente? O principal é que a avaliação não traz o norte de qualidade que deveria dar ao sistema educacional brasileiro. O Saeb trouxe uma grande contribuição para a melhoria da nossa educação, orientando o avanço de muitas redes de ensino do país. No entanto, 25 anos após sua primeira edição nos moldes atuais, precisa de revisões, incluindo a incorporação de itens mais complexos e a inclusão de questões abertas (não apenas de múltipla-escolha, como é hoje).
Além disso, precisamos compreender melhor as razões dessa pouca relação entre os resultados do Saeb e do Pisa. No final de 2021, o Brasil participou, pela primeira vez, de uma avaliação internacional de linguagens para o quarto ano do Ensino Fundamental, o Pirls (Progress in International Reading Literacy Study), promovido pela OCDE. Os resultados serão divulgados ainda neste ano e será uma ótima oportunidade de comparar o desempenho dos alunos em língua portuguesa no Saeb com os resultados do Pirls.
É essencial termos avaliações que, de fato, mostrem se o nível de aprendizagem dos estudantes no país é bom, inclusive para termos políticas educacionais em consonância com a realidade e que ajudem no enfrentamento das desigualdades existentes. Afinal, todos as crianças e jovens, independentemente de sua origem, cor, raça, gênero ou quaisquer outras características ou condições, merecem um bom nível de aprendizado.