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Contribuições ao Debate - Nova Escola 07/03/2019

Conheça a história da evolução da Matemática

Sistema sexagesimal usado pelos babilônicos exigia a memorização de 1.711 produtos. Sistema decimal, resultado do desenvolvimento de várias culturas, facilitou muito as operações matemáticas

Por Flavio Ulhoa, para a coluna Pesquisa Aplicada, na Nova Escola 

Temos usado esse espaço para discutir a importância de se conhecer a história da matemática tanto para professores quanto para alunos. Esse conhecimento não só nos ajuda a entender como os desafios científicos ou tecnológicos surgidos ao longo dos séculos foram superados, mas também a perceber que escolhas, conscientes ou não, fizeram parte desse desenvolvimento.

Na coluna Como usar a história da Matemática para despertar a curiosidade dos seus alunos, publicada em novembro de 2018, ao comentarmos sobre a necessidade do número zero para o bom funcionamento de um sistema posicional, mencionamos o sistema numérico usado pelos babilônicos. Era, sim, um sistema posicional, mas, como visto naquele momento, com base 60, isto é, com a necessidade de sessenta símbolos para o seu bom funcionamento. Discutimos lá o fato de, inicialmente, não se dispor de um símbolo para o número zero o que trouxe, por muito tempo, dificuldades na notação numérica. Quero agora discutir outro aspecto desse sistema numérico: o operacional. Dito de outra forma, como os produtos e divisões eram feitos a partir de um sistema com base 60?

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Observe que, em nosso sistema decimal, precisamos memorizar essencialmente 36 produtos. Como chegamos a esse número? São 10 símbolos, multiplicados dois a dois, e por isso deveriam ser 100 produtos a serem memorizados. Mas, multiplicar por 0 ou por 1 não deveria entrar nessa conta, não é? Por outro lado, ao multiplicarmos os números 3 e 4, por exemplo, basta memorizar o produto 3×4 e não os dois produtos 3×4 e 4×3. Por fim, só contamos uma vez quando se multiplica um número por ele mesmo, como por exemplo 6×6. Com isso, o número de produtos a serem memorizados cai.

Agora, repetindo esse procedimento, a tabuada no sistema sexagesimal vai requerer a memorização de 1.711 produtos (verifique isso!). Ao invés de se memorizar tantos produtos, é muito mais fácil, então, utilizar tabelas de multiplicação contendo essa tabuada e era assim que essas operações eram feitas naquele período.

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Para a operação de divisão também se usavam tabelas, uma de inversos e outra de produtos por inversos. Como não era possível se ter tabelas que contivessem os inversos de todos os números, os resultados das divisões conseguidos por esse processo eram aproximados. Isso, no entanto, não se constitui um grande problema, pois, em nosso cotidiano, boas aproximações dão conta da grande maioria dos problemas levantados.

Se levarmos em conta a necessidade de se ter tabelas de inversos, o número 60 usado para a base do sistema babilônico era bastante conveniente pois é um número que possui muitos divisores e isso facilita a descrição de seus inversos. A matemática não era suficientemente desenvolvida no ponto de vista teórico para se ter consciência da escolha de tal número para a base, por isso acredita-se que essa escolha se deu mais por tentativa e erro.

O caráter posicional de um sistema numérico, e sua facilidade operacional, perdeu-se, por algum tempo, com o declínio da civilização babilônica. Os gregos, por exemplo, utilizaram muito frequentemente um sistema não posicional, um pouco mais sofisticado que os anteriores, mas mesmo assim, não tão eficiente do ponto de vista prático quanto o posicional.

Cabe ressaltar que para efetuar operações com grandes números, como por exemplo nos cálculos envolvendo astronomia, os gregos também lançaram mão das tabelas desenvolvidas pelos babilônicos em seu sistema sexagesimal. Era mais fácil fazer assim do que tentar reescrever tais tabelas no outro sistema. Na prática, portanto, eles utilizaram sistemas numéricos com características distintas dependendo do problema a ser atacado.

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O sistema que utilizamos atualmente, posicional e decimal, consolidou-se de certa maneira com o desenvolvimento da álgebra no mundo árabe e sofrendo a forte influência da matemática hindu. Foi o matemático Fibonacci, no século XII, que, por meio de seus livros, levou à Europa o sistema posicional e decimal.

Mesmo sendo um entusiasta do sistema decimal, Fibonacci ainda assim continuou a utilizar o sistema sexagesimal dos babilônicos quando considerava certos problemas práticos envolvendo equações de terceiro grau. Era também muito comum naquela época os números serem escritos no sistema sexagesimal mas, quando houvesse a necessidade de se fazer uma conta, lançava-se mão de um instrumento chamado ábaco que é operado, em sua essência, no sistema decimal.

Nosso cotidiano ainda traz a marca desse sistema sexagesimal. Uma hora tem 60 minutos e um minuto, 60 segundos. Nosso círculo é dividido em 360 graus. Mas, é claro, um sistema com dez símbolos é muito mais fácil de se manusear que um com 60!

Como se vê, a história também pode nos ensinar que o que é agora considerado conhecimento sedimentado é o resultado de um desenvolvimento que envolve várias culturas e experimentações.

Flávio Ulhoa Coelho é professor titular do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP), onde atuou como diretor no quadriênio 2010-2014. É também pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP e do CNPq. Além de matemático é escritor, tendo publicado 4 livros didáticos em matemática e 7 livros de literaturas infanto-juvenil e adulta.

Acesse todos os textos publicados na coluna Pesquisa Aplicada

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