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Contribuições ao Debate - BBC News Brasil 04/12/2019

O que é avaliado na prova do Pisa, exame de educação no qual o Brasil tem dificuldade em avançar

A habilidade de alunos em obter as informações básicas de um texto, usar a matemática no cotidiano e entender fenômenos científicos é medida pelo Pisa, exame internacional aplicado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) cujos dados mais recentes foram divulgados nesta terça-feira (3/12).

O Brasil avançou pouco, e os resultados do exame pintam um cenário de estagnação na educação para a maioria dos especialistas ouvidos pela BBC News Brasil — embora alguns sinalizem avanços modestos e pontos para otimismo.

Mas, antes de ir a fundo no que o Brasil pode aprender com o resultado do exame, vamos detalhar as competências exigidas pelo Pisa nos três campos analisados pela prova: leitura, matemática e ciências.

A avaliação de leitura

O Pisa 2018 foi realizado, pelo computador, por 11 mil alunos brasileiros de 15 e 16 anos — de um total de 600 mil estudantes de 79 países ou regiões em todo o mundo, amostra que representa um universo de 32 milhões de estudantes dessa idade na educação básica desses locais.

Em uma das perguntas de leitura desta edição divulgadas pela OCDE, os alunos tinham de ler textos relacionados à ilha de Rapa Nui (ou ilha de Páscoa), no oceano Pacífico, e ao trabalho de uma pesquisadora fictícia, para responder a questões básicas cujas informações estão contidas nos textos: há quanto tempo ela pesquisa Rapa Nui? O que é fato e o que é opinião nos argumentos do texto? Que descobertas sobre a ilha causam discordância entre cientistas?

A intenção é avaliar se compreenderam conceitos-chave do texto — uma das habilidades esperadas que os alunos tenham em leitura, além de conseguir obter instruções e informações dentro de textos e ser capazes de usar esses dados na sua vida cotidiana, na leitura de rótulos de embalagens, de notícias ou mesmo de contratos. E, também, de fazer uma análise crítica dessas informações.

Os resultados do Pisa mostram que 50% dos alunos brasileiros de 15 anos tinham nível básico de leitura. Apenas 2% alcançaram nível alto de proficiência nessa competência.

O que é avaliado em matemática

Em matemática, os resultados são piores. Apenas um terço dos alunos brasileiros alcançou o nível básico (contra 98% dos alunos chineses, que lideram as notas do Pisa), e apenas 1% alcançou o nível excelente.

Nessa área, a avaliação não é de quanto os alunos brasileiros sabem de fórmulas matemáticas, mas sim de sua capacidade de “formular, usar e interpretar a matemática” para seu cotidiano — desde controlar seus gastos no mercado até medir quantidades para uma receita, compreender estatísticas ou avaliar custos de um projeto.

O objetivo, diz a OCDE, é que as escolas formem alunos capazes de “refletir e entender o papel da matemática no mundo”.

A entidade não divulgou exemplos de perguntas da prova de 2018, mas exemplos de provas prévias indicam o tipo de conceito exigido.

Em 2012, uma questão de finanças trazia uma fatura recebida por uma pessoa chamada Sarah e emitida pela empresa de roupas Breezy. Não havia nenhum cálculo envolvido: o aluno precisava apenas responder quem deveria pagar a fatura (se Sarah ou a Breezy) e se a fatura já havia sido paga, com base nas informações apresentadas.

O objetivo da questão era ver se os alunos “conseguem identificar produtos e termos financeiros comuns e interpretar informações relacionadas a conceitos financeiros básicos”, diz a OCDE, sendo assim capazes de “tomar decisões simples em gastos do dia a dia”.

O que é avaliado em ciências

Como exemplo da prova de ciências do Pisa, uma pergunta de 2015 (as da prova de 2018 ainda não foram divulgadas) usava a migração de pássaros para avaliar se os alunos eram capazes de entender conceitos relacionados à evolução das espécies. Outra questão pedia aos alunos que simulassem a perda de água, pelo suor, que uma pessoa sente ao praticar uma hora de corrida.

O objetivo da prova de ciências, diz a OCDE, é medir a habilidade em entender metodologias e fenômenos científicos, além de interpretar evidências cientificamente e tirar conclusões a partir delas.

Nessa competência, na prova de 2018, menos da metade (45%) dos alunos brasileiros alcançaram o nível básico ou superior, o que significa que conseguem “reconhecer a explicação correta para fenômenos científicos conhecidos”. Apenas 1% dos alunos do país foi considerado proficiente em ciências.

‘Em educação, estagnação é retrocesso’

Para o especialista em educação Mozart Neves Ramos, diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna, o Pisa está buscando avaliar competências cada vez mais exigidas na vida real e no ambiente de trabalho, e que vão além de apenas conhecer determinadas fórmulas, fatos ou conteúdos.

“O Brasil ainda está olhando muito para o conteudismo, mas o mais importante é a qualidade do que é ensinado e a forma como é ensinado, dando sentido a esse conteúdo para os alunos”, afirma à BBC News Brasil.

“Isso não significa não focar no conteúdo, mas (tirar) o excesso que não faz mais sentido no mundo de hoje”, diz ele, exemplificando as fórmulas de química que era obrigado a memorizar quando era estudante. “O que está sendo exigido no mundo do trabalho é resolução de problemas, valores, criatividade.”

A OCDE concluiu que o Brasil estagnou no Pisa na última década, embora tenha elogiado o país por ter conseguido incluir mais alunos na rede de ensino sem com isso a qualidade da sua educação.

Isso, porém, é insuficiente, opina Ramos, que também é integrante do Conselho Nacional de Educação.

“O problema é que essa qualidade está em um patamar muito baixo”, diz Ramos à BBC News Brasil. “Só 2% de nossos alunos estão nos níveis mais altos no Pisa. E ainda temos um grande contingente de alunos de 15 a 17 anos fora das escolas. Não acho que temos muito o que comemorar com um crescimento pífio. Continuamos estagnados e, em educação, estagnação é retrocesso, porque os demais países estão avançando.”

Para Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, a estagnação identificada pela OCDE na última década coincide com o período em que caiu, em sua opinião, a mobilização de entes públicos — governos, estados e municípios — por leis e medidas articuladas de investimentos na educação pública e nos professores.

“Políticas educacionais não melhoram por espasmo. É um processo contínuo e de resultados de longo prazo”, opina. “O resultado que temos hoje (no Pisa) é o que podemos ter com o que investido em educação.”

No entanto, diz Cara, “o Pisa não pode servir para o ataque à escola pública”. “Em termos de eficiência, a escola pública faz muito com o pouco que tem. Mas não dá para fazer milagre.”

Em comunicado do Ministério da Educação, o ministro Abraham Weintraub afirmou que o Brasil está “estagnado desde 2009. Estamos com o mesmo desempenho estatisticamente desde 2009, a despeito dos recursos investidos”.

‘Avançamos mais do que eu imaginaria’

Nem todos os analistas, porém, veem os dados com pessimismo. “Todos estão dizendo que estagnamos, mas não acho que isso seja verdade”, afirma Claudia Costin, diretora do Ceipe (Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais) da FGV Rio.

“Estamos longe de onde deveríamos estar, mas melhoramos nas três disciplinas (3 pontos a mais em leitura, 5 pontos a mais em matemática e 2 pontos a mais em ciências, em comparação com o Pisa anterior), então acho que é de se celebrar. Para um país atrasado em seu dever de casa, avançamos para além do que eu imaginaria.”

Costin opina que, com a ainda recente implementação da Base Nacional Curricular Comum (documento que aponta quais competências devem ser desenvolvidas nas escolas) e a possibilidade de que se criem, em âmbito federal, novas diretrizes para melhorar a formação de professores — considerada um gargalo na educação brasileira —, futuras avaliações do Pisa podem trazer ganhos mais substanciais.

Para Ernesto Martins Faria, da entidade Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), o mais preocupante entre as evidências do Pisa é o baixo resultado do Brasil em matemática e ciências, “o que traz um desafio muito maior do que o de (avançar) em leitura”.

“Temos um lado cultural de como olhamos e incentivamos a matemática, que desde cedo é vista como difícil e chata. O principal é melhorar a formação de professores (dessa disciplina), tanto para a rede pública como para a privada”, opina ele.

“Para ciências e leitura, nosso desafio é escalonar (bons exemplos) para o país inteiro. Para matemática, não é só dar escala, mas criar novas metodologias de ensino.”

Acesse a reportagem no site da BBC News Brasil