Aversão ao risco e às perdas: barreiras para uma política de bonificação eficaz na Educação
Pesquisas mostram dificuldades para a criação de políticas de bônus para professores
Por Ariana Britto e Fábio Waltenberg, para a coluna Pesquisa Aplicada, parceria de Iede e Nova Escola
Temos discutido neste espaço políticas de bônus salariais para professores e por que nem sempre elas funcionam. Enunciamos as dificuldades para a transposição de um modelo de bonificação criado para o setor privado para a Educação, em que o resultado não é o lucro, mas sim a aprendizagem dos estudantes. Abordamos desafios como ausência de concorrência e de lucro; interesses múltiplos e conflitantes; professores com motivações não monetárias; multiplicidade de tarefas e objetivos; limites à especialização; trabalho em equipe e aprendizagem cumulativa; dificuldade de identificar e medir o “produto” do processo educativo. Em outro artigo, mostramos resultados de estudos feitos em diferentes países que apresentam efeitos diversos, uns mais e outros menos favoráveis à política de bonificação. Desta vez, queremos apresentar brevemente outro obstáculo para um programa de responsabilização eficaz: a chamada “aversão ao risco”, jargão usado por economistas para descrever o mal-estar sentido pelas pessoas diante do incerto – em particular, diante da incerteza acerca do valor de sua renda. E um conceito aparentado, de aversão às perdas, que reflete a constatação de que uma perda é mais intensa que um ganho de valor equivalente.
Pesquisas mostram que a maioria das pessoas é avessa ao risco. Mas, em média, mulheres tendem a ser mais avessas ao risco, assim como professores mais do que os demais trabalhadores (Dohmen e Falk, 2010). Se oscilações salariais trazem desconforto à maior parte das pessoas, trazem ainda mais a professores e professoras.
Leia também: Por que políticas de bônus salariais para professores nem sempre funcionam?
Um programa de incentivo a professores introduzido no Reino Unido e avaliado por Atkinson et al. (2009) obteve relativo êxito no curto prazo. Inicialmente, concedeu-se aumento uniforme a praticamente todo o corpo docente, para num segundo momento introduzir um sistema de bônus, ao qual apenas os interessados aderiram. A parcela fixa da remuneração aumentou para todos, mesmo para quem não aderiu ao programa de responsabilização, e mesmo para os que participaram, mas não receberam bônus. Os efeitos positivos de curto prazo talvez se expliquem por esse cuidado no desenho do programa. Não se conhecem, porém, os efeitos de médio prazo desse programa. Mais: a aversão ao risco pode atingir de formas distintas professores que já estão na carreira há algum tempo, e eventualmente desestimular aqueles que desejam entrar na profissão.
Aversão ao risco é conceito cristalizado na literatura econômica. Sua irmã mais nova é a “aversão às perdas”, documentada em décadas recentes pela Economia Comportamental. A “aversão às perdas” expressa a constatação de que um decréscimo de bem-estar gerado por uma perda de determinado valor é mais intenso que o acréscimo de bem-estar proporcionado por um ganho de igual magnitude. Tudo isto num cenário em que perdas e ganhos são determinados, não com relação a zero, mas sim com relação a um valor de referência definido pela pessoa (Kahneman, 2012). Em termos concretos, digamos que um trabalhador estabelece como expectativa que receberá um bônus de R$ 2 mil no final do ano. Se de fato receber R$ 2 mil, sua expectativa será satisfeita; se receber R$ 3 mil, terá um incremento de bem-estar com relação ao nível de referência fixado; se receber R$ 1 mil, terá uma perda com relação a esse nível de referência. A crer nos estudos e experimentos de economistas comportamentais, a “perda” de mil reais dói muito mais do que a satisfação suplementar decorrente do ganho de mil reais superior ao esperado.
Como as pessoas definem seu nível de referência? Possivelmente, professores definem um nível de referência para o bônus observando um conjunto de informações ao seu alcance: valores recebidos em anos anteriores, valores recebidos por colegas, estimativa subjetiva de quão bem fluiu seu trabalho com o grupo de alunos avaliado, entre outras tantas informações, possivelmente envolvendo também valores meramente almejados ou projeções irrealistas. Descompassos entre valor esperado e valor recebido podem ser frequentes. Tomando o conjunto de professores de uma escola, rede ou sistema, o acréscimo de satisfação desfrutado pelos que recebem mais do que esperavam tem grandes chances de ser menor que o aumento de insatisfação sofrido pelos que recebem menos do que esperavam.
Leia também: Bônus salarial para professor em função do desempenho do aluno em testes é uma política eficaz?
A relação entre o esforço feito pelo professor e o resultado obtido pelos alunos não é perfeitamente controlada pelo professor. É possível que um professor faça tudo o que esteja ao seu alcance para melhorar o aprendizado de um grupo de alunos com determinadas características – no jargão do modelo econômico, que o professor escolha um “nível de esforço alto” – sem que o empenho se reverta efetivamente em bons resultados. O professor não receberá o bônus no valor almejado, apesar de ter agido como queria o principal (diretor ou secretário de educação que define os critérios para recebimentos de bônus), trazendo ao agente (professor) frustração imediata, além de eventual redução de motivação futura. A própria legitimidade do programa pode ser gradativamente minada. A possibilidade oposta – pouco esforço, bons resultados e recebimento de bônus – evidentemente não gera frustração imediata, mas também poderia reduzir motivação futura.
Em suma, os programas de responsabilização nem sempre funcionam bem, por várias razões já bem mapeadas na literatura especializada, e que podem ser resumidas em dois grupos: dificuldades técnicas envolvidas na transposição desse sistema para a Educação pública e o desconforto que pode trazer aos professores. Isso não significa que políticas de bonificação não devam ser consideradas, mas que o desenho específico dessas políticas deve levar em conta as razões explicitadas até aqui.
Ariana Britto é doutora em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professora do IBMEC. Fabio Waltenberg é doutor em economia pela Université Catholique de Louvain, na Bélgica, e professor da UFF.
Este texto foi originalmente publicado na coluna Pesquisa Aplicada, parceria de Iede e Nova Escola
Acesse todos os textos da coluna Pesquisa Aplicada