As funções do Enem
Hoje (08/08) no Valor Econômico uma matéria de Luciano Máximo discute a ideia do Ministério da Educação (MEC) de informatizar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), com a possibilidade de várias edições do exame em um mesmo ano. Clique aqui para ler a matéria.
Entre os benefícios da medida pode-se citar: diminui o desgaste financeiro e de logística de um exame que avalia milhões de alunos; torna o calendário mais flexível para pessoas acima de 18 anos tentarem obter por meio do Enem uma certificação de conclusão do Ensino Médio; o governo pode fornecer um incentivo para que o ingresso dos alunos em universidades dependa de um nível de aprendizado adequado aos conhecimentos necessários no Ensino Superior.
Por outro lado, a ideia descaracteriza o objetivo inicial do Enem (avaliar o desempenho do aluno ao término da escolaridade básica, para aferir desenvolvimento de competências fundamentais ao exercício pleno da cidadania), já que hoje a principal medida de qualidade do Ensino Médio que a avaliação transmite é o resultado médio dos concluintes. Como avaliar o Ensino Médio com base em edições que podem ocorrer muito antes do fim do ano letivo e no qual o perfil dos alunos que participam poderá ser não representativo da população de jovens concluintes do Ensino Médio?
Hoje o Enem tem fundamentalmente quatro funções:
- Avaliar a qualidade do ensino médio do país;
- Certificação do ensino médio;
- Servir como parte do processo seletivo ou em substituição ao vestibular de universidades e institutos federais;
- Pré-requisito para concorrer a bolsas do Prouni.
Em relação à avaliação do Ensino Médio é difícil dizer se o Enem está ou não atendendo a esta função, pois isto depende do tipo de avaliação que se espera que o Enem possa fornecer. Uma avaliação como um todo, avaliando redes de ensino e escolas certamente o Enem não permite fazer. Já se pensarmos no Enem como uma avaliação que nos mostra o nível de competências de jovens que estão concluindo o Ensino Médio ele de certa forma cumpre esse papel (e, como dito acima, cumprimento que pode ser dificultado com a ideia do MEC). Mas, ainda sim, o Enem hoje não avalia o Ensino Médio em si, mas o nível de aprendizado dos alunos ao final do Ensino Médio. Como a avaliação não está em uma escala, ela não nos permite ver nem aproximadamente o quanto os nossos alunos estão desenvolvendo de aprendizado nessa etapa da Educação Básica.
Se o Enem quer se propor a avaliar o Ensino Médio ou ao menos o nível de aprendizado dos alunos ao final dessa etapa a discussão sobre currículo tem que estar presente, com a definição de expectativas de aprendizagem. Não presente apenas com a existência de uma matriz de referência, mas de forma transparente, com o conteúdo chegando nas escolas, de modo que fique claro aos estabelecimentos de ensino o que se espera que os alunos tenham desenvolvido em termos de aprendizado no final da Educação Básica.
Sem o Enem estar atrelado a um currículo vigente no Ensino Médio as certificações dadas aos estudantes maiores de 18 anos (segunda função) podem e têm sido questionadas quanto à sua legitimidade.
A ideia e as medidas tomadas nos últimos anos em relação ao Enem parecem direcionar o exame em função do cumprimento da terceira e quarta funções, deixando em segundo plano as duas primeiras. O Enem auxilia muito pouco em termos de política pública o Ensino Médio, num contexto em que de acordo com os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) em 2007 e 2009 o nível de aprendizado dos alunos ao final dessa etapa tem evoluído muito pouco.
Esse parece um momento pertinente para nos perguntarmos sobre o que queremos com o Enem e se é possível um único exame avaliar o Ensino Médio e ser um processo seletivo para o Ensino Superior. Outra discussão no qual devemos avançar é sobre como, de acordo com a própria declaração do ministro Fernando Haddad, os esforços do Saeb e do Enem podem se somar.